Nosso Senhor mandou a seus
discípulos que rezassem sem cessar. E embora muitos deles, durante os dias da
vida terrestre de Cristo, não tivessem conseguido vigiar com Ele e cumprir esse
mandato com toda a fidelidade, o Espírito Santo cuidaria de ensinar-lhes esse
ofício e, século após século, inspirar os sagrados pastores, seus sucessores,
para que tirassem do tesouro das Escrituras coisas velhas e novas.
A Liturgia das Horas nasce
justamente do coração orante dos discípulos de Jesus. Constitui primeiro um
ato da Igreja de imitação do seu Esposo, que não deixou de rezar jamais, em
privado e no Templo, em seu ministério público e no ápice de sua missão. Ao
rezar as Horas canônicas, o Corpo dos fiéis se une à sua Cabeça mística, pois,
na verdade,
a dignidade da oração cristã tem sua raiz na participação da mesma piedade do Unigênito para com o Pai e daquela oração que lhe dirigiu durante sua vida terrena e que agora continua, sem interrupção, em toda a Igreja e em cada um de seus membros, em nome e pela salvação de todo gênero humano (Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas [IGLH], n. 7).
Isso significa que, seja qual for
a oração que façamos, importa que sempre a façamos “por Cristo, nosso Senhor”.
É por isso que o santo Rosário tem como eixo os mistérios da vida de Jesus; é
por isso que as ladainhas sempre terminam com uma oração que o menciona; é por
isso que a prece mais rezada pelos católicos, a Ave-Maria, tem no centro
justamente o santíssimo nome de nosso Salvador. As nossas devoções só
têm sentido se feitas “por Cristo, com Cristo e em Cristo”. Ele é o centro:
é tornando-nos um com Ele que podemos nos dizer
verdadeiramente cristãos.
Além dessas muitas orações privadas que
podemos fazer, no entanto, existe também a oração pública da
Igreja, em sua liturgia. E é justamente aqui que entra, junto com a Santa
Missa, a Liturgia das Horas.
Mas por que mesmo a oração das
Horas canônicas é tão importante? E por que ela deveria ser rezada não só por
clérigos e religiosos, mas por todo o povo de Deus? É o que queremos apresentar
a seguir: sete razões, simples, para que também você comece a
rezá-la — e não só agora, na Quaresma, mas por toda a sua vida.
Estamos em guerra!
Por que a Liturgia das
Horas?! Primeiro, porque estamos num combate espiritual e,
se há uma coisa que os Salmos lembram o tempo todo, é isso. Escritos em sua
maioria pelo rei Davi, essas orações estão intimamente ligadas aos percalços de
sua vida como guerreiro e governante. A todo instante acossado por inimigos,
ameaçado por povos estrangeiros, perseguido por membros de sua própria
família, Davi travou numerosas batalhas, e no meio delas elevava
confiante sua voz a Deus, pedindo-lhe que o ajudasse e livrasse do
mal:
O inimigo persegue a minha alma,
ele esmaga no chão minha vida
e me faz habitante das trevas,
como aqueles que há muito morreram.
Já em mim o alento se extingue,
o coração se comprime em meu peito (Sl 142 [143], 3s)!
Trechos como este estão hoje à
inteira disposição da Igreja e de nós, que somos os seus membros, na luta
contra os demônios e contra as pessoas e instituições que neste mundo,
infelizmente, fazem as vezes deles e os representam. Falando, a propósito, das
imprecações tantas vezes contidas nos Salmos, D. Estêvão Bettencourt ensina o
seguinte:
Para o cristão…, mesmo as imprecações mais veementes do saltério tomam valor cristão. Não há dúvida, o discípulo de Jesus tem por lei “amar os inimigos, orar pelos que o perseguem” (Mt 5, 39.44). Sem, porém, derrogar ao amor dos homens, ele pode, e deve, devotar ódio ao pecado e ao reino de Satanás; deve desejar a extirpação completa deste potentado e dos seus baluartes, baluartes que, em parte, são as tendências desregradas da própria natureza humana, em parte são tudo que há de mal disseminado em torno de nós. Que o cristão, pois, reze os salmos imprecatórios, tendo em vista os vícios e as instituições hodiernas inimigas do reino de Cristo, todas as instituições e seitas que se esforçam por disseminar o erro e o pecado no mundo. E contra tais esteios do mal não hesitará em proferir os salmos imprecatórios, do íntimo do coração, com a plenitude do seu amor para com Deus e o próximo [1].
Ou seja, a batalha do cristão não
é apenas “contra os espíritos malignos nos ares” (Ef 6, 12). Na
verdade, vai-se firmando, cada dia com mais clareza, uma espécie de encarnação
do mal nas instituições, contra a qual também precisamos dirigir as nossas
energias. Diante de um sistema a nível global que ataca a nossa fé, procura tirar
as nossas liberdades, contaminar as nossas famílias, fazer uma verdadeira
“lavagem cerebral” em nossos filhos, é preciso retomar a consciência de
que somos Igreja, e Igreja militante.
Sim, nós temos inimigos, mas não
porque sejamos maus, violentos ou vingativos. O simples fato de amarmos Jesus e
procurarmos seguir os seus Mandamentos é motivo suficiente para que o mundo nos
odeie e persiga. Não sejamos, pois, ingênuos: estamos em guerra!
Sentimentos desordenados
Os nossos piores inimigos, porém,
continuam sendo... nós mesmos. O mundo pode nos cercar de todos os lados, os
demônios podem investir contra nós com todas as suas forças. Mas
absolutamente ninguém tem o poder de nos arrastar ao pecado.
Só nós, com o mau uso de nossa liberdade, podemos voltar as costas para Deus.
Só nós, com o mau uso de nossa liberdade, podemos voltar as costas para Deus.
É, pois, porque temos os
nossos sentimentos desordenados, em segundo lugar, que
precisamos com urgência rezar a Liturgia das Horas.
O rei Davi experimentou ao longo
de sua vida todos os mesmos sentimentos que nos movem: amor e ódio, dor e
prazer, alegria e tristeza, desespero e esperança, temor e coragem. Nenhuma
dessas paixões escapou à consideração do salmista. Ao direcioná-las
todas a Deus em oração, porém, essas realidades são ordenadas e
“remediadas” por Ele.
A verdade é que não podemos ficar
simplesmente à mercê do que sentimos ou deixamos de sentir. Diferentemente dos
animais, para os quais o instinto é um comando, nós podemos freá-lo e regular o
nosso interior:
Não queira ser semelhante ao cavalo,
ou ao jumento, animais sem razão;
eles precisam de freio e cabresto
para domar e amansar seus impulsos,
pois de outro modo não chegam a ti (Sl 31 [32], 8s).
Muitas pessoas não têm disciplina
na oração, por exemplo, porque estão à mercê de gostos e de seu estado
emocional: se não estão “com vontade”, não rezam, e enquanto a tal “vontade”
não vem, ficam sem rezar. Isso pode durar dias, semanas, meses… Enquanto isso a
vida passa, e nós ficamos longe de Deus.
A oração das Horas canônicas
tende a remediar esse problema, na medida em que nos “obriga” a parar, de
alguma forma, para que rezemos em momentos específicos do dia. Pois não
podemos nos dirigir a Deus só quando estamos com ânimo e entusiasmo. Muito
pelo contrário: nossa oração — como dito no início deste texto — deve ser perseverante,
seja qual for a circunstância em que nos encontremos. Ao nos colocarmos diante
de Deus para pronunciar os Salmos que desde sempre os seus filhos recitam,
vamos nos surpreender em ver como eles “tocam” a nossa vida, lidando inclusive
com a nossa mornidão e desânimo:
Por que te entristeces, minh’alma,
a gemer no meu peito?
Espera em Deus! Louvarei novamente
o meu Deus Salvador (Sl 42, 5)!
Das profundezas, eu clamo a vós, Senhor,
escutai a minha voz (Sl 129, 1)!
O tempo consagrado a Deus
Afinal de contas, precisamos
começar a fazer no tempo o que faremos por toda a eternidade, em
terceiro lugar.
Precisamos começar a fazer no tempo o que faremos por toda a eternidade.
Quem quer que comece a rezar a
Liturgia das Horas facilmente se surpreende com a quantidade de “tempo perdido”
que tinha antes de começar esse bom hábito. Nós nos iludimos muito com mil
passatempos inúteis, e acabamos gastando boa parte do dia neles. Redes sociais,
filmes e seriados na TV, conversas inúteis em WhatsApp e outros
aplicativos de mensagens: se somarmos todo o tempo gasto com essas coisas,
perceberemos o quanto andamos dispersos e desfocados, e como aquela
história de que “não tínhamos tempo” para rezar não passava, na verdade, de
desculpa esfarrapada.
A oração das Horas canônicas é,
de fato, um prelúdio da vida eterna, onde só viveremos para amar e adorar a
Deus. Ao nos levantarmos, rezamos as Laudes. No meio dos nossos
trabalhos, a Hora média. O Sol se põe, é hora das Vésperas.
Ao repouso precedem as Completas. Deste modo, toda a nossa
vida é ritmada com esse louvor incessante a Deus.
Essa consagração do tempo é
importante porque, embora estejamos no tempo, somos da
eternidade. Não fomos feitos para este mundo, para as coisas caducas aqui
desta terra. Mas facilmente podemos cair nessa ilusão. A Liturgia
das Horas age justamente como uma prevenção. Como ela nos mantém em contato
contínuo com Deus, é um lembrete perene de que nossa alma precisa suspirar por
Ele:
Sois vós, ó Senhor, o meu Deus!
Desde a aurora ansioso vos busco!
A minh’alma tem sede de vós,
minha carne também vos deseja,
como terra sedenta e sem água (Sl 62 [63], 2)!
Com isso, a oração das
Horas canônicas também nos prepara para receber melhor o sacramento da Eucaristia, em
quarto lugar. Pois quem não sabe que um alimento se torna muito mais
saboroso quanto maior for o nosso desejo de comê-lo?
A salvação das almas
Em quinto lugar, mas nem
por isso menos importante: precisamos santificar a nós e aos que estão
sob os nossos cuidados.
Quem reza a Liturgia das Horas
nunca está sozinho: sua voz se faz uma com a de toda a Igreja.
E, se é verdade que por muito tempo essa oração foi identificada apenas com os
padres e religiosos — naturalmente, já que essas pessoas estão obrigadas por
voto a rezá-la —, o Concílio Vaticano II deu um grande incentivo a que
também os leigos a rezassem. (Convenhamos que o uso do vernáculo tornou muito
mais acessível o Ofício Divino. O antigo era feito todo em latim, e nem todos
têm aptidão, tempo e facilidade para aprender esse idioma e rezar nele.) Por
isso, a Instrução Geral da Liturgia das Horas dispõe
que:
Os grupos de leigos, em qualquer lugar em que se encontrem reunidos, são convidados a cumprir essa função da Igreja, celebrando parte da Liturgia das Horas, seja qual for o motivo pelo qual se reuniram: oração, apostolado ou qualquer outra razão. Convém que aprendam a adorar a Deus Pai em espírito e verdade, antes de tudo na ação litúrgica, e tenham presente que, mediante o culto público e a oração, atingem toda a humanidade e podem fazer muito pela salvação de todo o mundo (n. 27).
Como a oração de um simples fiel
leigo pode atingir “toda a humanidade” e salvar “todo o mundo”? Ora, através do
mistério da comunhão dos santos, que nos une não apenas aos santos
do Céu, mas também a todos os nossos irmãos na fé, tanto aos que militam neste
mundo quanto aos que padecem no Purgatório [2]! Como Igreja, fazemos parte de
uma família, o Corpo místico de Cristo: nele, cada membro cuida do outro como
se cuidasse de si próprio, pois é a saúde do organismo inteiro que está em
jogo. À Cabeça, que é Cristo, todos nos dirigimos confiantes, pois foi Ele
mesmo quem disse: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e
abrir-se-vos-á” (Lc 11, 9).
Esse trabalho de intercessão é
tão importante, que as as Laudes e Vésperas da
atual Liturgia das Horas trazem sempre o momento das Preces, no
qual podemos apresentar a Deus, além das petições designadas no livro
litúrgico, também as que trazemos em nossos corações.
O perigo do ativismo
Essa obra de pedir a intervenção
de Deus nas nossas vidas é muito mais fecunda que as nossas ações, por melhores
e sacrificadas que sejam. Pois nós fazemos só o que nos é possível,
enquanto com nossa oração nós confiamos as coisas a Deus, que tudo pode.
Nós fazemos só o que nos é possível, enquanto com nossa oração nós confiamos as coisas a Deus, que tudo pode.
É justamente para repelir o
“ativismo”, em sexto lugar, que serve a Liturgia das Horas.
Assim como Deus criou todo o universo em seis dias e no sétimo descansou,
também nós precisamos descansar de nossos trabalhos. Mas não descansar no
sentido moderno do termo; hoje em dia, o único repouso que as pessoas conhecem
é o dos lazeres vãos e o do relaxamento moral. A verdade, porém, é que nada
pode trazer mais paz e tranquilidade à nossa vida do que aqueles momentos em
que ficamos a sós com Deus, na vida de oração.
É claro que a récita das Horas
canônicas não substitui nossa vida de oração íntima com Deus.
Trata-se antes de algo a mais, de um cuidado maior que
damos a Deus, de pequenos gestos de carinho, pequenos “eu te amo” que lhe
dizemos ao longo do nosso dia. A união, no entanto, que acontece na oração
íntima é insubstituível — assim como carinhos e belas palavras não substituem o
ato conjugal na vida matrimonial.
Repertório para nossa oração
pessoal
Mas até nisso a Liturgia das
Horas nos ajuda, dando-nos “repertório”, por assim dizer, para
nossa oração pessoal. Eis o sétimo e último motivo para
rezá-la. Como diz o Apóstolo, “não sabemos o que havemos de pedir como convém,
mas o mesmo Espírito ora por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8, 26).
Ora, que melhor auxílio nos poderia dar a Terceira Pessoa da Santíssima
Trindade do que as palavras que Ela mesma inspirou os autores humanos das
Escrituras a escrever?
Com a Liturgia das Horas, todo o nosso dia se transforma em um grande hino de louvor a Deus.
É nos Salmos, nos Evangelhos, nas
Cartas dos Apóstolos que encontramos material para meditação e preces com que
invocar a Deus. Como na Liturgia das Horas não rezamos só com a voz (oração
vocal), mas também com a mente (oração mental) — do contrário, como
lembra S. Teresa, nem se poderia chamar a isso verdadeira oração —, nossa
memória vai-se alimentando com o que recitamos e, depois, quando formos para a
intimidade do nosso quarto, poderemos falar a Deus com muito mais liberdade e
leveza, repetindo os versículos que aprendemos.
No fim das contas, com a
oração das Horas canônicas, todo o nosso dia se transforma em um grande hino de
louvor a Deus, pois as frases que guardamos se transformam em jaculatórias
com as quais podemos nos dirigir a Ele sempre (especialmente os trechos dos
Salmos mais frequentes no Saltério, como o 50, o 62, o 109 e todos os das Completas):
Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refugio!
Digo ao Senhor: “Somente vós sois meu Senhor:
nenhum bem eu posso achar fora de vós!”
[...]
Ó Senhor, sois minha herança e minha taça,
meu destino está seguro em vossas mãos!
Foi demarcada para mim a melhor terra,
e eu exulto de alegria em minha herança!
Eu bendigo o Senhor, que me aconselha,
e até de noite me adverte o coração.
Tenho sempre o Senhor ante meus olhos,
pois se o tenho a meu lado não vacilo (Sl 15 [16], 1s.5-8).
Tende piedade, ó meu Deus, misericórdia!
Na imensidão de vosso amor, purificai-me!
Lavai-me todo inteiro do pecado,
e apagai completamente a minha culpa!
Eu reconheço toda a minha iniquidade,
o meu pecado está sempre à minha frente.
Foi contra vós, só contra vós, que eu pequei,
e pratiquei o que é mau aos vossos olhos (Sl 50 [51], 3-6)!
Por onde começar?
Quem compreendeu todos os porquês
acima deve estar se perguntando agora: “Tudo bem, mas por onde eu começo?”
Nessa matéria, a internet e os
telefones móveis são ferramentas de grande auxílio aos católicos que rezam: com
uma simples pesquisa por “Liturgia das Horas”, é possível encontrar uma porção
de sites que disponibilizam gratuitamente essa oração pública da Igreja, sem
falar dos aplicativos de celular para todos os gostos.
Apesar de toda essa facilidade e
conveniência, seria muito bom possuir o livro físico e rezar com ele,
ao invés de simplesmente acessar um app digital em meio à
miríade de outras coisas que acessamos com nossos smartphones e
computadores. A razão é muito simples: assim como o livro litúrgico
é consagrado para o culto a Deus, “é importante fazer desse
tempo sagrado uma experiência que está, ao menos em alguma medida,
‘separada’ das coisas comuns”.
“É importante fazer desse tempo sagrado uma experiência que está, ao menos em alguma medida, ‘separada’ das coisas comuns”.
Cada um deve proceder, no
entanto, na medida de suas possibilidades. Evidentemente, é muito melhor rezar
pelo celular do que não rezar de forma alguma.
A quem quiser, e puder
Permitam-nos, enfim, uma última
palavra sobre o antigo Ofício Divino, que vigorou até 1971. Quem quiser fazer a
experiência de conhecer um pouco mais a língua latina e rezar as Horas
canônicas tal como a Igreja as rezou ao longo da maior parte de sua história,
não hesite em acessar o site Divinum Officium e unir-se às comunidades
tradicionais que adoram a Deus de acordo com as antigas prescrições litúrgicas,
em conformidade com o que estabeleceu o Papa Bento XVI na Summorum Pontificum.
A experiência com o antigo Breviarium
Romanum é frutuosa por várias razões, mas uma em particular é digna de
menção: a disposição do Saltério ao longo de uma única semana (e não em um mês,
como acontece hoje) ajuda-nos a ganhar uma familiaridade ainda maior
com os Salmos, a ponto de quem os reza, em questão de pouco tempo, saber de
cor o dia e até a hora da semana em que serão recitados. O famoso Salmo 22, por
exemplo, é rezado toda quinta-feira, na hora Prima; o 42, com o
qual começa a Missa antiga, está sempre nas Laudes da
terça-feira; o 138 — “Senhor, vós me sondais e conheceis…” — nunca sai
das Vésperas da sexta-feira; e assim por diante. Se no rito
novo isso já acontece com alguns Salmos (como dissemos acima),
no rito antigo isso se dá com todos eles [3].
Seja, porém, na forma ordinária,
seja na forma extraordinária do rito romano, o que interessa mesmo é que rezemos
mais, e que rezemos bem. A Liturgia das Horas nos ajuda a fazer
as duas coisas: ao mesmo tempo que nos põe incessantemente na presença do
Senhor, convocando-nos a cantar o seu louvor “do nascer do sol até o seu ocaso”
(Sl 112 [113], 3), constitui uma verdadeira “escola de
oração”.
E não há notícia de que alguém tenha se arrependido de “fazer matrícula” nela.
Atualização [14 de fevereiro de 2022]: O que mudou após o documento Traditionis Custodes, do Papa Francisco? Na prática, a celebração do chamado rito tridentino, ou de São Pio V, diminuirá a olhos vistos, devido às novas restrições que lhe foram impostas. O usus antiquior, no entanto, não foi extinto e, ainda que novas medidas restritivas sejam tomadas agora ou no futuro, permanece o valor espiritual e cultural da Missa que por tanto tempo a Igreja celebrou — como um farol a iluminar o nosso caminho ainda hoje.
Notas
i.D.
Estêvão Bettencourt, Para entender o Antigo Testamento. 4.ª ed.
Aparecida: Santuário, 1990, p. 151.
ii.Vale
a pena lembrar que, no antigo Ofício Divino, praticamente todas as Horas
canônicas terminavam com a célebre oração pelos fiéis defuntos: Fidélium
ánimae per misericórdiam Dei requiéscant in pace. Amen, “Que as almas dos
fiéis defuntos pela misericórdia de Deus descansem em paz. Amém”.
iii.Outra coisa que salta aos olhos é o peso de determinadas orações antigas, em comparação com as reformadas. Na antiga festa de S. Nicolau, por exemplo, a Igreja pede expressamente a Deus que, eius méritis et précibus, a gehénnae incéndiis liberémur, isto é, “por seus méritos e preces, sejamos livres das chamas do inferno”. Nas Completas antigas, os sacerdotes traçam todas as noites sobre o peito o sinal-da-cruz enquanto dizem: Convérte nos, Deus, salutáris noster, et avérte iram tuam a nobis, “Convertei-nos, ó Deus da nossa salvação, e afastai para longe de nós a vossa ira”. Hoje em dia, palavras como esta raramente se vêem na liturgia, e até o célebre hino Dies irae deixou de ser cantado ao fim do ano litúrgico. (Ele tornou-se facultativo, mas, na prática, sabemos o que isso significa.) Como triste consequência de omissões assim, o que se percebe ao longo das últimas décadas é que certas verdades da fé católica, que deixaram de ser rezadas, também estão deixando de ser cridas — especialmente pelo clero e pelos religiosos, que sempre foram os que mais contato tiveram com a divina liturgia. Um antídoto para esse mal (ou uma “vacina”, se preferirem) talvez seja voltar, senão à letra, pelo menos ao espírito das orações antigas, que refletem, com mais solidez e integridade, o que a Igreja sempre creu e ensinou, em seu Magistério e na vida de seus santos e santas. Os fiéis católicos leigos preservaram a fé, em grande medida, graças às devoções particulares antiquíssimas que conservaram em suas casas, não obstante a desorientação geral que invadiu os templos católicos nos anos seguintes à reforma litúrgica pós-conciliar.
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
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