O que são os chamados “sufrágios”? Que boas obras nós, os vivos, podemos realizar para socorrer as almas que padecem no Purgatório? Eis o que ensinam a Igreja e a própria Sagrada Escritura.
Se Deus consola tão benignamente
as almas do Purgatório, sua misericórdia brilha com ainda mais força no
poder, que Ele concede a sua Igreja, de encurtar a duração de seus
sofrimentos. Desejando executar com clemência a severa sentença de sua
justiça, Ele consente em abater e mitigar a dor; fá-lo, porém, de maneira
indireta, através da intervenção dos vivos. A nós Ele concede todo
o poder de socorrermos nossos irmãos aflitos com sufrágios, isto é,
por meio de impetração e satisfação.
A palavra sufrágio,
em linguagem eclesiástica, é um sinônimo para oração. Entretanto,
quando o Concílio de Trento declara que as almas no Purgatório são
assistidas pelos sufrágios dos fiéis, o sentido da palavra é mais
abrangente, incluindo, de modo geral, tudo o que formos capazes de
oferecer a Deus em favor daqueles que partiram desta vida. De fato, nós
podemos oferecer a Deus não somente nossas orações, mas todas as nossas boas
obras, na medida em que elas sejam impetratórias ou satisfatórias.
Todas as obras que nós realizamos em estado de graça, Jesus Cristo permite que as ofereçamos para o alívio de nossos irmãos no Purgatório.
Para entender essas expressões,
tenhamos em mente que cada uma de nossas boas obras, quando praticadas em
estado de graça, possui ordinariamente um triplo valor aos
olhos de Deus:
- A obra é meritória, ou seja, aumenta o
nosso mérito, dando-nos direito a um novo grau de glória no Céu.
- É impetratória (de “impetrar”,
“obter”), ou seja, como uma oração, ela tem a virtude de alcançar
graças de Deus.
- É satisfatória, ou seja, tem a
capacidade de satisfazer à Justiça Divina e pagar o débito de nossas penas
temporais diante de Deus.
O mérito é
inalienável e permanece como propriedade da pessoa que realiza a ação. Os
valores impetratório e satisfatório, ao contrário, podem beneficiar
a outrem, em virtude da comunhão dos santos.
Entendido isso, coloquemo-nos uma
questão prática. Quais são os sufrágios por meio dos quais, de
acordo com a doutrina da Igreja, nós podemos ajudar as almas do Purgatório?
A essa pergunta nós respondemos:
eles consistem em orações, esmolas, jejuns e penitências de qualquer
tipo, indulgências e, acima de tudo, o santo sacrifício da Missa.
Todas as obras que nós realizamos em estado de graça, Jesus Cristo permite que
as ofereçamos à Majestade Divina para o alívio de nossos irmãos no Purgatório.
Por essa admirável
disposição, ao mesmo tempo em que protege os direitos de sua justiça,
nosso Pai celestial multiplica os efeitos de sua misericórdia, que é
exercida então, ao mesmo tempo, em favor da Igreja padecente e da Igreja militante.
A assistência misericordiosa que Ele permite prestarmos a nossos irmãos
sofredores é, de fato, de excelente proveito para nós mesmos. Trata-se de uma
obra não apenas vantajosa para os falecidos, mas também santa e salutar para os
vivos. Sancta et salubris est cogitatio pro defunctis exorare, “É
santa e piedosa a ideia de rezar pelos defuntos” (2Mc 12, 46, Vulg.).
É possível ler, nas Revelações de
Santa Gertrudes (cf. Legatus Div. Pietatis, l. 5, c. 5), que, tendo
uma humilde religiosa de sua comunidade coroado com uma morte piedosa sua vida
exemplar, Deus dignou-se mostrar à santa o estado da falecida na outra vida.
Gertrudes viu a alma da monja adornada de inefável beleza e querida por
Jesus, que a fitava com amor. Entretanto, por conta de uma leve negligência
sua, ainda não expiada, ela não podia entrar no Céu, sendo obrigada a descer à
sombria morada do sofrimento. Mal havia ela desaparecido nas profundezas,
porém, a santa viu-a voltar e subir em direção ao Céu, transportada
pelos sufrágios da Igreja: Ecclesiae precibus sursum ferri.
Até no Antigo Testamento orações
e sacrifícios eram oferecidos pelos mortos. A Sagrada Escritura relata como
louvável a piedosa ação de Judas Macabeu depois de sua vitória sobre Górgias,
general do Rei Antíoco. Os soldados haviam pecado, tomando dos espólios alguns
objetos oferecidos aos ídolos, coisa que pela lei eles estavam proibidos de
fazer. Então Judas, chefe do exército de Israel, mandou que se fizessem orações
e sacrifícios pela remissão de suas culpas e pelo repouso de suas almas.
Vejamos como esse fato é contado
na Escritura:
No dia seguinte ao sábado, Judas e seus homens foram recolher os corpos dos que tinham morrido na batalha, a fim de sepultá-los ao lado dos parentes, nos túmulos de seus antepassados.
Foi então que encontraram, debaixo das roupas dos que tinham sucumbido, objetos consagrados aos ídolos de Jâmnia, coisa que a Lei proíbe aos judeus. Então ficou claro, para todos, que foi por isso que eles morreram.
Todos louvaram, então, a maneira de agir do Senhor, justo Juiz, que torna manifestas as coisas escondidas.
E puseram-se em oração, pedindo que o pecado cometido fosse completamente cancelado. Quanto ao valente Judas, exortou o povo a se conservar sem pecado, pois tinham visto com os próprios olhos o que acontecera por causa do pecado dos que haviam sido mortos.
Depois, tendo organizado uma coleta individual, que chegou a perto de duas mil dracmas de prata, enviou-as a Jerusalém, a fim de que se oferecesse um sacrifício pelo pecado: agiu assim, pensando muito bem e nobremente sobre a ressurreição. De fato, se ele não tivesse esperança na ressurreição dos que tinham morrido na batalha, seria supérfluo e vão orar pelos mortos. Mas, considerando que um ótimo dom da graça de Deus está reservado para os que adormecem piedosamente na morte, era santo e piedoso o seu modo de pensar.
Eis por que mandou fazer o sacrifício expiatório pelos falecidos, a fim de que fossem absolvidos do seu pecado. (2Mc 12, 39-45)
Referências
- Extraído e levemente adaptado da obra “Purgatory: Explained by the Lives and Legends of the Saints” (p. II, c. 9), Londres: Burns & Oates, 1893, pp. 146-149.
Por Pe. François Xavier Schouppe
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