Pátria amada e bem armada



 O erro de um Prelado ao comentar sobre o desarmamento

O Excelentíssimo Senhor Arcebispo Metropolitano de Aparecida, Dom Orlando Brandes, pregou contra as armas, em uma recentíssima Missa televisionada por ocasião da Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil. Sua frase de efeito, sem sentido lógico algum, foi viralizada pelas redes sociais: “Pátria amada não pode ser pátria armada”.

Com todo o respeito que devo a um Sucessor dos Apóstolos, não há como chegar a tal conclusão. O amor pelo país não tem nenhuma relação com a rejeição ao uso da arma de fogo, ou sua posse e porte. Trata-se de um jogo de palavras apenas. E dos mais infantis, daqueles feitos em teatrinhos escolares de ensino básico. Por qual razão alguém que ama a pátria não pode ter armas ou defender que se as use? Não seriam os militares e policiais, portanto, verdadeiros patriotas?

Tal como eles, também os demais cidadãos são interessados não apenas no direito de defesa de si mesmo e dos seus familiares, como também podem ser uma segunda linha de proteção da sociedade contra ameaças criminosas e agressões externas, como se viu historicamente em todos os grandes países do mundo.

Como em outros artigos já defendi, a real discussão deve focar-se na licitude moral do legítimo direito da autodefesa por qualquer ser humano. Eis a grande pergunta que se deve fazer: é a defesa de si e de outrem, inclusive pelas armas, um direito natural, e por isso inalienável? E a resposta é positiva.

Talvez Sua Excelência tenha esquecido o que ensina a boa e velha teologia católica a qual ele, como Bispo, deve ser o primeiro a ensinar.

Sim, a Igreja é a favor da vida. E por isso mesmo ensina, em sua doutrina moral, a licitude da reação defensiva contra o injusto agressor, utilizando-se dos meios adequados e proporcionais, o que inclui o recuso às armas de fogo. O homem, diante de uma injusta agressão, tem o direito de se defender, mesmo à custa da morte do agressor. Explica-nos Santo Tomás de Aquino, o gênio intelectual do Ocidente, herdeiro e autor da síntese da sabedoria helênica e do ensinamento cristão: “A ação de defender-se pode acarretar um duplo efeito: um é a conservação da própria vida, o outro é a morte do agressor”. (Suma Teológica, II-II, Q. 64, a. 7) Continua o Aquinate: “Só se quer o primeiro; o outro, não”. (idem, op. cit.) Ora, defender-se de uma injusta agressão requer, na prática, o porte de um instrumento proporcional para tal ato, que, inclusive, pode vir a ceifar a vida do agressor, como bem explicou o Angélico Doutor.

Não é a legítima defesa mero instituto de Direito Positivo, i.e., não é simples criação do Estado, que, se não o houvesse feito, criminalizaria quem tem direito à autodefesa ― e por vezes dever até! Desdobramento prático do direito pessoal à vida, a legítima defesa pertence ao Direito Natural, conquanto a preservação vital é inata ao ser humano.

Da mesma maneira, o Catecismo da Igreja Católica sanciona o postulado jusnaturalista, ao declarar que “o amor a si mesmo permanece um princípio fundamental da moralidade. Portanto, é legítimo fazer respeitar seu próprio direito à vida. Quem defende sua vida não é culpável de homicídio, mesmo se for obrigado a matar o agressor (...)”. (Cat., 2264)

A equação é simples: sem direito a armas não se tem plena capacidade de exercer a juridicamente assegurada legítima defesa; sem legítima defesa, a propriedade e a vida não são protegidas; sem a propriedade não há liberdade completa; e sem vida, não há sociedade, não há desenvolvimento civilizacional e não há Direito.

Colocar-se contra o direito de posse e porte de armas, como prega Dom Orlando, destoando da doutrina católica sobre o tema e querendo promover sua equivocada idéia como se cristã fosse, é uma infeliz conclusão, fruto de um raciocínio errôneo.

As armas não são a causa da criminalidade. Não são armas de fogo que ceifam a vida de inocentes, mas bandidos, criminosos, marginais. Nenhuma arma de fogo tem vontade própria, ser inanimado que é. Nenhuma arma de fogo tem propriedades mágicas que façam com que a atividade humana seja deixada de lado no seu disparo. Nenhuma arma de fogo, em poucas palavras, atira sozinha.

Dom Orlando talvez invoque sua frase de efeito desconectada da realidade como uma promoção da paz. Ora, a paz não é meio, é fim. E, por ser fim, requer, para que a alcancemos, que nos utilizemos de um meio. Por sua vez, é necessário efetuar uma escolha de qual meio utilizar, é preciso fazer um juízo de valor dos meios disponíveis, elegendo o reputado mais adequado e conveniente. Como é meio, torna-se recurso a ser observado ― para fins, às vezes, escusos. Exemplifico. Um assassino investe contra uma adolescente desarmada. A pretexto de ser pacífico, o pai da jovem não a defenderá, inclusive com armas de fogo? Se a paz é fim, pode ser alcançada, às vezes, com comportamentos ordenadamente violentos. Note, leitor: ordenadamente! Quando a paz se converte de fim em meio, até o recurso à justa e ordenada violência (legítima defesa) torna-se condenável... A conciliação pode ser um bem, um ótimo meio de alcançar a paz. Não obstante, se o pacífico se transforma em pacifista, os maiores crimes e os mais grotescos absurdos viram “toleráveis” para manter um conceito esquisito de paz. Esta, em verdade, é a justiça, é a tranqüilidade na ordem, não a conciliação a qualquer preço. O amor à paz não pode ser sinônimo de covardia.

Por outro lado, não há que se enaltecer esse pacificismo contrário ao sadio (e católico) direito de usar armas de fogo na defesa de si ou de outrem como se fosse extensão do princípio da dignidade da pessoa humana, tão caro à Doutrina Social da Igreja.  Falar em dignidade da pessoa humana importa em garantir o principal de seus direitos, a vida, e isso não se faz proibindo o cidadão comum – sem problemas criminais – de ter e portar as ferramentas adequadas para que essa mesma vida não lhe seja tirada. Sem que o homem e a mulher tenham acesso a armas capazes de fazer cessar uma agressão injusta, a vida resta pouco protegida. Sem falar na defesa dos bens, da propriedade, que são, por sua vez, a maior proteção à liberdade individual. O direito de defesa é natural ao ser humano e corolário de sua dignidade. Não é o Estado que lhe dá e, portanto, não lhe pode retirar por leis injustas.

Ora, diante de um canalha portando arma de fogo, me defenderei como? Atirando uma pedra em seu olho? Não sou o rei Davi, para conseguir matar os gigantes do crime dessa maneira. A única maneira plausível é desferindo tiros contra ele, o que é meu direito ― transformado em dever, segundo o Catecismo da Igreja Católica, quando se trata de proteger quem está sob minha guarda, como minha família, por exemplo.

Portar armas de fogo é parte integrante do direito à legítima defesa.

Claro que os bandidos também as portam (embora “desconfie” de que não as adquiram em uma loja autorizada). Então, vamos à caça deles, com penas justas, duras, inibidoras da ação criminosa. Mas não persigamos o sujeito honesto que tem sua arma para defender-se, numa sociedade em que a criminalidade aumenta cada vez mais e estende seus tentáculos para um número sempre crescente de famílias trabalhadoras e cumpridoras de seus deveres para com Deus e a pátria.

A arma de fogo, neutra que é, pois serve tanto para o bem ― defender-se dos bandidos ― quanto para o mal ― praticar crimes ―, não pode ser objeto de horror. Os criminosos, sim, que se dedicam aos mais inumanos delitos, sejam horrorizados! É o que está faltando para a sociedade reagir contra a violência: não meras passeatas românticas com camisetas brancas, pombinhas sendo soltas e solicitações piegas pelo fim das armas, e homilias pouco embasadas de Bispos católicos, mas ações enérgicas contra a bandidagem que tira nosso sossego e a paz de nossas famílias.

Também sou da paz, também sou católico, e sou delegado de Polícia, portanto especialista prático em segurança pública, porém não é desarmando o pai de família que ela será construída.

― Dr. Rafael Vitola Brodbeck é delegado de Polícia, escritor, católico, casado, pai de cinco filhos.

Fonte: Brasil Sem Medo

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