Mal as quarentenas nos haviam sido impostas, todos sabiam o
que fazer com luvas, máscaras e álcool em gel! Tornamo-nos peritíssimos em
saúde do corpo, e bem rápido! Mas e na vida da alma? Alguém ainda ousará falar?
Se há uma coisa que a crise do coronavírus tem escancarado é
a nossa falta de fé.
Exemplo prático?
A partir do que estão enfrentando os Estados Unidos em
particular e o mundo inteiro de modo geral, o professor Edward Feser contrapôs recentemente, em um artigo de seu site, duas narrativas com que estamos
mais ou menos familiarizados. A diferença é que a primeira é tranquila e
amplamente aceita, a segunda não.
A primeira diz, em suma, o seguinte:
É errado subestimar os perigos da Covid-19, indo na
contramão do que dizem os especialistas. Embora os grupos de risco devido ao
novo coronavírus se limitem aos mais velhos e enfermos, trata-se de um grande
número de pessoas. Além disso, muitos que não morrerão do vírus mesmo assim
sofrerão bastante, e quem apresentar sintomas mais leves da doença (ou mesmo
nenhum) pode infectar outras pessoas. Medidas draconianas são necessárias,
portanto, mesmo com a previsão de um colapso econômico. Antes prevenir do que
remediar. Resistir a essas duras verdades é ser um “negacionista” do
coronavírus.
Antes de falar da segunda narrativa: nós sabemos de todos os
debates que existem em torno da atual crise e de suas consequências políticas e
econômicas. Não é pretensão nossa fazer uma análise global da situação, em
todas as suas variáveis. Mas, concorde você ou não com o texto acima, é o juízo
prudencial feito por muitos para fechar o comércio e isolar as pessoas em geral. A
oportunidade ou não das medidas adotadas não é o foco desse texto. O que
queremos falar mesmo é desta segunda narrativa (também
adaptada para esta publicação):
É errado subestimar o perigo de as pessoas irem para o
Inferno, quando os especialistas nessa matéria — as Escrituras, os grandes
teólogos da Igreja e o Magistério dos Papas e dos santos — vão no sentido
contrário. Mesmo que, no fim, uma minoria de pessoas se condenasse, seria um
preço muito alto a se pagar. Além disso, mesmo os que vão parar no Purgatório
sofrem bastante, e quem ensina o erro ou leva uma vida imoral por ignorância
invencível pode, ainda assim, levar outras pessoas à condenação eterna. O apelo
à conversão e ao arrependimento pelos próprios pecados deve ser urgentemente
espalhado, mesmo sob o risco de acarretar graves incômodos e
perseguições. Resistir a essas duras verdades é ser um “negacionista”
do Inferno.
Não é preciso muito para perceber que temos mais
“negacionistas” do Inferno que do coronavírus.
E, no entanto, se aceitamos facilmente as
palavras dos especialistas a respeito dessa crise, se aceitamos tomar todas as
medidas sanitárias que temos tomado nos últimos dias só para preservar da morte
física a nós, a nossos entes queridos e à sociedade, com que facilidade não
deveríamos dar ouvidos a Deus, que não se engana nem nos pode enganar, e seguir
os seus Mandamentos, a fim de fugir da morte eterna, muito pior do que
a física?
Se há uma coisa que a crise do coronavírus tem
escancarado é a nossa falta de fé.
Pense bem: as pessoas têm praticado nos últimos dias
uma reclusão sem precedentes, seguindo à risca preceitos
de distanciamento social. Elas saem, em geral, só para ir ao
mercado ou à farmácia, e são instadas pela mídia a evitar bares, restaurantes e
festas, a fim de não provocar aglomerações. Familiares pararam de se abraçar e
beijar. Casais de namorados, idem. Ante a possibilidade de o vírus de Wuhan ser
transmitido por via sexual, o departamento de saúde de Nova Iorque chegou a emitir um guia dizendo, entre outras coisas:
“Você é o seu parceiro sexual mais seguro”. É o código moral da
pandemia!
Mas, se sobram cuidados para se proteger de um vírus natural,
as ameaças sobrenaturais são amplamente negligenciadas, quando não negadas de
todo.
Circula pelo mundo, por exemplo, e não é de hoje, a heresia
do universalismo. Infelizmente, ela contaminou muitos ambientes
eclesiais. Trata-se justamente do “negacionismo” do Inferno de que falamos
acima. Na contramão do que pregou Nosso Senhor ao falar da porta estreita do
Céu e do caminho largo do Inferno (cf. Mt 7, 13), a ideia dos
universalistas é outra: a salvação é certa, e condenar-se é quase
impossível.
Mas não nos importa que essa seja a palavra de um ou outro
“gato pingado”, contra dois mil anos de Igreja e uma multidão de santos. Nossas
precauções e indignações são seletivas.
Agora andam todos mascarados na rua, protegendo o rosto,
passando álcool em gel a toda hora, desviando dos outros na calçada. Mas quando
Nosso Senhor nos manda guardar o olhar, pois um só pensamento impuro consentido
é o suficiente para acarretar-nos a condenação eterna (cf. Mt 5,
28), damos de ombros, fingimos não ouvir e talvez até procuremos o parecer de
“especialistas” que digam justamente o que nos agrada (pois o que não falta
hoje são teólogos morais dispostos a transformar o mal em bem), só para não
deixarmos os nossos pecados.
Sobram cuidados para se proteger de uma ameaça
natural, mas as sobrenaturais são negligenciadas.
Tantos louváveis cuidados para não se contaminar com um
vírus, mas quanta complacência para com o egoísmo que envenena e
destrói a alma!
Evitar beijos e abraços de repente se tornou palavra de
ordem. Se é para conservar a vida e a saúde físicas, tudo bem. Agora, falar
que o sexo só é lícito no casamento, ou que as carícias dentro de um
namoro cristão devem excluir abraços demorados ou beijos picantes, sob o
risco de morte da alma, aí já é demais, aí já é “intromissão” da Igreja na
intimidade dos casais, aí já é “obsessão católica” com os pecados da carne etc.
A essa acusação seria necessário responder perguntando onde
está, afinal, essa bendita obsessão de que tanto falam os
inimigos da moral católica, ao menos na pregação da Igreja atual. Que
os pecados sexuais são cometidos a torto e a direito, não é novidade para
ninguém. Nunca tanta pornografia foi vista como agora, em tempos de
quarentena, e nunca as pessoas com problemas de masturbação estiveram tão
vulneráveis às insídias do demônio, por exemplo. Denúncias sobre esses males,
no entanto, quase não há. No mais das vezes, o que paira é um silêncio
amedrontador.
E isso deveria nos preocupar. Muito mais do que se, de
repente, nossos especialistas parassem de alertar o modo de se proteger do
vírus atual e as medidas a tomar para não passar aos outros a Covid-19. Quando
foi a última vez que você ouviu seu pregador favorito ou o seu pároco falar,
por exemplo, de “pecado mortal”, “condenação eterna” ou “confissão” (se é que
ele já falou disso alguma vez)? E, no entanto, mal as quarentenas nos haviam
sido impostas, todos sabiam o que fazer com luvas, máscaras e álcool em
gel! Tornamo-nos peritíssimos em saúde do corpo!
Mas e na saúde da alma? Ninguém aguenta mais ouvir falar de
coronavírus na TV, nos jornais e nos meios de comunicação em geral… E esse
vírus só pode matar o corpo. Com que insistência, veemência, “chatice”, se
quiserem, os pastores e homens de Igreja não deveriam falar dos perigos do
pecado e da condenação eterna?
Eis o que a crise do coronavírus tem escancarado: acreditamos
mais na palavra do último especialista que nas palavras de Deus; tomamos
mais cuidado para combater um vírus que para combater o pecado; preocupamo-nos
mais com a morte do corpo que com a da alma; damos mais ouvidos à TV e aos
jornalistas que à doutrina católica de sempre; sentamo-nos entusiasmados diante
do smartphone para buscar a verdade a respeito do novo
coronavírus, mas damos de ombros e ridicularizamos o Magistério da Igreja, que
nos quer ensinar a verdade sempre nova do Evangelho.
Essa descrença e inércia generalizadas são reais, e
muito mais letais e danosas do que a pandemia da Covid-19. Se você não é
capaz de compreender isso, talvez seja necessário abrir seu coração à boa-nova
do Evangelho, que nos manda temer não a morte e a enfermidade físicas, mas a
morte eterna e as doenças espirituais (cf. Mt 10, 28).
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
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