Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum,
antequam patiar – “Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa,
antes que padeça” (Lc 22, 15)
Sumário. Nenhuma abelha esvoaça com tanta
avidez sobre as flores para lhes sorverem o mel, como Jesus vai morar nas almas
que o desejam. Eis porque no Evangelho nos convida tantas vezes a que nos
aproximemos dele na santa Comunhão. Faz tantas promessas e tantas ameaças, para
manifestar o grande desejo que tem de unir-se conosco. Que ingratidão, pois, se
não correspondemos a tão grande amor!
I. Jesus Cristo chama hora sua a noite em que devia
começar a sua paixão. Mas como é que pode chamar uma hora tão funesta a sua
hora? É porque foi a hora por ele almejada em toda a sua vida, visto que havia
determinado que naquela noite havia de nos deixar a santa Comunhão, destinada a
consumar a sua união com as almas diletas, pelas quais devia em breve dar o sangue
e a vida. Eis aqui o que naquela noite Jesus disse a seus discípulos: Desiderio
desideravi hoc pascha manducare vobiscum ― «Tenho desejado ansiosamente comer
esta Páscoa convosco». Palavra pela qual o Redentor nos quis dar a entender
o desejo ansioso que tinha de unir-se conosco neste santíssimo Sacramento de
amor: desiderio desideravi ― «desejei ansiosamente»; estas palavras, diz
São Lourenço Justiniani, saíram do Coração de Jesus abrasado em imenso amor.
Ora, a mesma chama que então ardia no Coração de Jesus,
ainda está ardendo ali até ao presente; e a todos nós renova o convite feito
então aos apóstolos de o receberem: Accipite et comedite, hoc est corpus
meum (Mt 26, 26) ― «Tomai e comei: isto é o meu corpo». Além disso, para
atrair-nos a recebê-lo com amor, promete o paraíso: Qui manducat meam
carnem, habet vitam aeternam (Jo 6, 55) ― «Quem como a minha carne, tem a vida
eterna». No caso contrário ameaça-nos com a morte eterna: Nisi
manducaveritis carnem Filii hominis, non habebitis vitam in vobis (Jo 6, 54) ―
«Se não comerdes a carne do Filho do homem, não tereis a vida em vós».
Estes convites, estas promessas, estas ameaças nasceram
todas do desejo que tem Jesus Cristo de se unir conosco na santa comunhão, e
este desejo nasce do amor que nos tem. «Não há abelha», disse um dia o
Senhor a Santa Matilde, «que com tanta avidez esvoace sobre as
flores para lhes sorver o mel, como eu anseio entrar nas almas que me desejam».
Porque Jesus nos ama, quer ser amado de nós, e porque nos deseja seus, quer ser
desejado, como diz São Gregório: Sitit sitiri Deus. Bem-aventurada a
alma que se aproxima da mesa da comunhão com grande desejo de se unir a Jesus
Cristo!
II. Adorável Jesus meu, não podeis dar-nos maiores
provas de amor par anos fazer compreender quanto nos amais. Destes vossa vida
por nós; ficastes no Santíssimo Sacramento, para que venhamos aí alimentar-nos
de vossa carne, e quão grande desejo tendes que Vos recebamos! Como podemos ser
sabedores de tantas finezas de vosso amor, sem ficarmos abrasados no vosso
amor? Longe de mim, afetos terrenos, saí de meu coração; vós é que me impedis
de arder por Jesus como ele arde por mim. Ó meu Redentor, que outros
testemunhos de afeto posso eu ainda esperar, depois dos que me tendes dado? Por
meu amor sacrificastes a vossa vida inteira; por meu amor abraçastes uma morte
tão amarga e ignominiosa; por meu amor chegastes, por assim dizer, a
aniquilar-Vos, reduzindo-Vos na Eucaristia a estado de alimento, para Vos
dardes todo a mim. Ah, Senhor! não permitais que eu seja ingrato a tão grande
bondade.
Graças vos dou pelo tempo que me concedeis para chorar
minhas ingratidões e Vos amar. Arrependo-me, ó soberano Bem, de ter tantas
vezes desprezado o vosso amor. Amo-Vos, ó Bondade infinita; amo-Vos, ó Tesouro
infinito; amo-Vos, ó Amor infinito, digno de infinito amor. + Jesus, meu
Deus, amo-Vos sobre todas as coisas. Por piedade, ajudai-me, ó meu Jesus, a
banir do meu coração todos os afetos que não são para Vós, para que daqui por diante
não deseje, não busque e não ame senão a Vós. Meu amado Redentor, fazei com que
eu Vos ache sempre e sempre Vos ame. Apoderai-Vos de toda a minha vontade, para
que queira somente o vosso beneplácito. Meu Deus, meu Deus, a quem então
amarei, se não amo a Vós em quem se encontram todos os bens? Só a Vós quero, e
nada mais.
― Ó Maria, minha Mãe, tomai meu coração e enchei-o de
perfeito amor a Jesus.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias
e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa
Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 308-311)
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