Et fiunt novissima hominis illius peiora prioribus –
“E o último estado daquele homem virá a ser pior do que o primeiro” (Lc 11, 26)
Sumário. Meu irmão, já que resolveste
dar-te todo a Deus, e já o executaste, não creias que as tentações tenham
terminado. Antes, mais do que nunca, prepara-te para travar combate com o
demônio, que, como diz Jesus Cristo, buscando repouso e não o achando, redobra
os esforços para tornar a entrar na alma donde foi expulso. Desgraçado de quem
torna a cair depois de ser levantado! Irá enfraquecendo cada vez mais; Deus
retirará a sua mão com as graças; e assim o fim de tal homem será pior do que o
princípio.
I. Meu irmão, já que resolveste dar-te todo a
Deus, e assim o executaste, não acrediteis que se tenham acabado as tentações.
Escuta o que te diz Jesus Cristo no Evangelho de hoje:
“Quando o espírito imundo saiu do homem, anda por lugares
desertos, buscando repouso; e não a achando, diz: Voltarei para a casa donde
saí. E quando chega, acha-a varrida e adornada. Vai então, e toma consigo outro
sete espírito piores do que ele, e, entrando na casa, fazem nela habitação. E o
último estado daquele homem virá a ser pior do que o primeiro”.
Com isto o Senhor nos quer dizer que, quanto mais uma alma
procura unir-se a Deus e servi-Lo, tanto mais contra ele se enfurece o inimigo,
e procura entrar na alma donde foi desterrado. Se o consegue, não entra mais
sozinho, mas traz companheiros consigo, para melhor se aquartelar, e assim a
segunda ruína da mísera alma será pior do que a primeira.
Diz Santo Tomás que todo o pecado, ainda que tenha sido
perdoado, deixa sempre a ferida causada pela culpa. Se portanto se junta outra
ferida à antiga, fica a alma tão enfraquecida, que para se levantar precisará
de uma graça especial. Por outra parte, Deus não concederá facilmente
semelhante graça a um ingrato, que, depois de ser chamado com tão grande amor,
e admitido à sua amizade, depois de assentar-se à Mesa eucarística para se
alimentar com o Corpo sagrado de Jesus, esquecendo-se de todas estas
misericórdias divinas, se revolta contra Ele e Lhe prefere o demônio. Ah! O
Senhor fica em extremo sensibilizado com tamanha ingratidão, e por isso: Fiunt
novissima hominis illius peiora prioribus — “O último estado daquele homem virá
a ser pior do que o primeiro”.
II. Ai daquele que, sendo amigo de Deus e tendo
recebido muitas graças, torna a cair e se declarar seu inimigo e escravo do
demônio! — Irmão meu, a fim de que te não suceda tamanha desgraça, esforça-te
de toda a maneira por ficares constante na justiça e no temor, e prepara a tua
alma para a tentação (1). Examina novamente a tua consciência; estuda todas as
tuas paixões, especialmente a que no passado tenha sido a tua paixão dominante.
Quando sentires que as inclinações más tornam a brotar em tua alma, procura
abatê-las depressa pelos meios que o teu confessor te indicar, antes que ganhem
força; no caso contrário serão os teus mais formidáveis inimigos.
A arma principal, porém, de que te deves servir, é a oração,
porque o espírito imundo é um campeão armado, mais robusto do que tu, e que
além de uma longa experiência tem a inteligência e a força de anjo. Numa
palavra, lembra-te que quem na tentação ora e se recomenda a Deus, certamente
será vencedor; e quem não ora, será vencido e se condenará.
Ó Jesus, meu Redentor, pelos merecimentos de vosso sangue
espero que já me haveis perdoado as ofensas que Vos fiz, e que irei
agradecer-Vos eternamente no paraíso. Vejo que no passado caí e recaí
miseravelmente, porque me descuidei de recorrer a Vós. Agora peço-Vos a santa
perseverança e proponho pedi-la sempre, especialmente quando me vir tentado.
Mas de que me valerá esta minha resolução, se Vós não me derdes a força para
cumpri-la? Rogo-Vos pelos merecimentos de vossa paixão, me concedais a graça de
recorrer a Vós em todas as minhas necessidades. — “Dignai-Vos, ó Deus
todo-poderoso, atender às minhas humildes súplicas, e estender em minha defesa o
braço da vossa majestade” (2).
Fazei-o pelo amor de vossa e minha queria Mãe Maria.
Referências:
(1) Eclo 2, 1
(2) Or. Dom. curr.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias
e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa
Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 337-339)
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