Dez conselhos de uma Carmelita de clausura para viver na “cela” de casa
Tradução de Rui Jorge Martins
1. Atitude de liberdade
O mais importante é a atitude com que se vive, a
interpretação pessoal que se faz da situação, a consciência de que não se trata
de uma derrota. Paradoxalmente, esta pode ser uma oportunidade para descobrir a
maior e mais genuína liberdade: a liberdade interior que ninguém pode tirar, e
que procede da própria pessoa. Num contexto em que as autoridades “obrigam” a
estar em casa, a liberdade consiste na adesão voluntária, sabendo que é por um
bem superior. É livre aquele que tem a capacidade de assumir a situação porque
quer fazer o correto. Não se está encerrado em casa, antes, optou-se por nela permanecer
“livremente”.
2. Paz onde a alma se amplia
Olhe para dentro de si próprio, o espaço mais amplo para a
pessoa se expandir e ser feliz está no seu coração. Não são necessários espaços
exteriores, mas andar folgadamente no próprio mundo. Dê asas à criatividade,
escute as suas próprias inspirações, e encontre a beleza de que é capaz. Talvez
ainda não tenha descoberto que da paz da alma brota vida… a vida é criação de
mais vida, comunicação de alegria e amor. Quando se acostumar a viver em si, já
não quererá sair.
3. Não se descuide, a paz requer trabalho
Exercite virtudes que requerem concentração e
autoconhecimento, essas que normalmente se descuidam quando se está ocupado nos
mil e um afazeres “externos”. De como se encara as próprias emoções e pensamentos,
da gestão dos sentidos e paixões, depende se se vive no céu ou no inferno.
Observe-se e domine-se, porque se se deixar levar pelo medo, pela tristeza ou
pela apatia, dificilmente se sairá delas, já que não há muitas evasões. Exerça
disciplina sobre o seu coração: quando algum pensamento não lhe fizer bem,
rejeite-o. Procure inclinar-se para tudo aquilo que note que lhe dá paz e
alegria... a harmonia tem de trabalhar-se.
4. Ame
A questão de fogo destes dias será a convivência. Perante a
crise causada pela pandemia as pessoas ficam mais suscetíveis e, inclusive,
irritáveis. É preciso ser-se muito paciente e usar muito o senso comum. Somos
diferentes, cada qual tem uma sensibilidade distinta por múltiplas
circunstâncias. Aceite e respeite as opiniões e sentimentos dos outros. É muito
normal, quando se está em casa, a tendência para querer controlar tudo… Procure
não o fazer, seria causa de muitos conflitos e frustrações. Não dê importância
às diferenças, potencie as coisas que unem. O único terreno que realmente lhe
pertence é a sua própria pessoa: os seus pensamentos, palavras e emoções; não
controle, controle-se. A partir do amor extrairá compreensão e empatia, vontade
de dar e agradecimento ao receber. Respeite, acolha a fragilidade, desdramatize,
viva e deixe viver.
5. Não mate o tempo
Nada poderá criar-lhe uma sensação tão grande de vazio e
fastio como passar o tempo inutilmente. É um inimigo gravíssimo que lhe poderá
roubar a paz, e até colocá-la em depressão. Faça um plano para estes dias, e tente
vivê-lo com disciplina. Descanso e ocupação não são antagônicos, aproveite para
descansar realizando atividades que a relaxem ou que estimulem um ânimo
positivo. Dê tempo nas coisas simples: que o grão-de-bico se torne tenro, que o
assado demore a ficar cozinhado… temos tempo! Mesmo que um guisado lhe leve
duas horas, desfrute de o fazer, e empenhe-se em que as coisas que faz, por
simples que sejam, tenham valor e uma finalidade. Nada de perder tempo sem
sentido, “matar o tempo” é matar a vida.
6. Alargue as suas fronteiras
Quantas vezes se deixou de fazer o que se devia por falta de
tempo. Pois bem, agora temo-lo! Esse livro que lhe ofereceram há três anos e
que não leu, aquele que ainda não devolveu porque ficou pela metade. Se gosta
de música, procure novos artistas, descubra novos gêneros. Apetece-lhe uma
viagem? Pense num país exótico e aprenda sobre a sua cultura e tradições… temos
internet também para isso. Se é pessoa de fé e oração, talvez não saiba o que
rezar porque já esgotou tudo o que sabia. Por que não experimenta a liturgia
das horas? Descarregue-a no seu telemóvel; procure os escritos de algum santo,
seguramente vai encontrar muitas coisas que lhe encherão a alma de novas luzes.
Não se conforme com o que conhece e sabe… agora que há oportunidade, abra-se a
novidades que lhe acrescentem sabedoria e a encham de alegria.
7. Para as mais sensíveis
Nem todos dominam as emoções de igual maneira. Haverá
pessoas para quem, pela sua psicologia, lhes custará muito mais este
confinamento do que a outras. As emoções não só provêm do interior; também
aquilo que se vê, escuta, toca, etc. influencia. Por isso, é preciso ser-se
seletivo com aquilo que se recebe do exterior, para evitar entrar em círculos
viciosos que envolvam em desespero ou façam perder o controlo. Evite-se, na
medida do possível: conversas pessimistas, discussões, más caras, excesso de
informação, filmes de terror ou intriga, desordem dentro de casa. Como não há
muitas evasões que façam mudar de “chip”, tudo o que entra no cérebro nele permanecerá
mais tempo do que o habitual; por isso, é preciso ter cuidado para não se ficar
obcecado, ou permitir aninhar uma emotividade negativa no interior. O excesso
de ecrãs também é mal porque estimula em demasia e o cérebro, e provoca mais
nervosismo. Há que dormir bem, mas em excesso pode causar a sensação de
fracasso ou derrota. Um remédio muito bom para canalizar a energia e relaxar é
dançar. Ponha boa música e divirta-se a dançar. Nada como rir e divertir-se
para reiniciar o sistema interior.
8. Não está isolada
É importante compreender que não há motivo para se sentir
só, pois não se está. O amor e o carinho dos teus continua, mesmo que o contato
físico se tenha distanciado. Esta é uma oportunidade para viver a comunicação a
um nível mais profundo, mais íntimo. Fale com quem está em casa com
tranquilidade, sem pressas, escute-os até que terminem, deixe que o diálogo
faça crescer a confiança e as confidências construam cumplicidade. Diga aquilo
que nunca tem tempo de dizer, conte o que sempre quis contar, fale de tudo e de
nada, mas com carinho, que é o que chega à alma e nela se aninha. Responda
àquela mensagem de Natal que não agradeceu, a carta que a emocionou e à qual
estava a preparar uma resposta, àquele “e-mail” de uma velha amizade. Procure palavras
com beleza, tente dar expressão aos seus sentimentos mais nobres… fale com o
coração e crie laços muito mais profundos com os seus. Descobrirá que a
distância não é ausência.
9. Dia de reflexão
Para não se angustiar, também é conveniente procurar
momentos de silêncio e solidão. Na organização do tempo para estes dias, inclua
espaços de “oxigenação” individual. Quantas pessoas já alguma vez disseram:
«Como gostaria de me retirar alguns dias para um mosteiro». Pois bem, a ocasião
está aqui, em casa. Habitualmente as pessoas cansam-se por causa da aceleração
das suas horas, como se a rotina diária não desse tempo para assimilar o que se
vive. Esperamos mudanças substanciais na sociedade, «isto não pode continuar
assim». Agora temos esta oportunidade para nos metermos num casulo como a
lagarta que se converte em borboleta. Reflita, pense, medite… Que posso mudar
em mim para ser melhor depois destes dias?... A separação das coisas que
normalmente temos entre mãos ajudará a ver se realmente se está a pôr o acento
naquelas que importam, em vez daquelas que podem ser secundarizadas, quais são
as insubstituíveis, etc. Um bom discernimento para melhorar fará com que estes
dias sejam de muito proveito. Homens e mulheres novos depois desta crise.
10. Reze
Só a oração (que é o vínculo de amizade com Deus) pode
sustentar a vida em todas as situações, especialmente nas adversas. Oração, que
como diria Santa Teresa, «ainda que a diga na sobremesa, é o principal». Orar é
abrir-se a esse “Outro” que pode sustentar-nos quando se precisa de ajuda; mas
também quando se está bem, orar é sustentar outros que precisam. É a
experiência mais universal do amor. Ore, fale com Deus, as horas passarão sem
que se dê conta: fale-lhe de tudo, Ele não se cansa de a escutar, desafogue-se
com Ele quando necessitar, e, porque não?, deixe que também Ele se desafogue
consigo, é o seu Pai, seu Irmão, seu Amigo. Exercite a sua fé e a sua
confiança. Se deixou a relação com Deus no vestido da sua primeira comunhão,
volte a experimentá-lo, agora há tempo e serenidade para conversar com Ele.
Talvez não acredite porque nunca o experimentou. E se tentar?...
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