A Igreja sempre rezou por seus filhos falecidos, mas foi
apenas no século X que, sempre guiada pelo Espírito Santo, ela instituiu a
Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, como forma de estimular-nos a cumprir o
grande dever que é rezar pelo mortos.
A Santa Igreja tem uma liturgia especialmente dedicada
aos defuntos. Dela faz parte o ofício de Vésperas, Matinas e Laudes, além
de uma Missa própria, comumente chamada “Missa de Requiem” [1].
Essa liturgia, tão tocante como sublime, por meio de prantos e lágrimas desvela
aos olhos dos fiéis a luz consoladora da eternidade. A Igreja reza essa
liturgia por ocasião do funeral de seus filhos e, de modo particular, no dia em
que se celebra solenemente a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos.
A Santa Missa ocupa aqui o lugar principal, como se fôra o
centro divino ao redor do qual orbitam todas as outras orações e cerimônias. No
dia seguinte à Festa de Todos os Santos, na grande solenidade de todas as almas
benditas, todos os sacerdotes devem oferecer aos mortos o Santo Sacrifício, ao
qual os fiéis, por sua vez, consideram um dever assistir [2], além de oferecer
comunhões, orações e esmolas em sufrágio dos irmãos que sofrem no
Purgatório.
A celebração dos fiéis defuntos, porém, é de
origem relativamente recente. A Igreja, desde as suas origens, sempre rezou
por seus filhos falecidos, entoando salmos, recitando orações e oferecendo a
Santa Missa pelo repouso de suas almas. Contudo, não houve no passado nenhuma celebração
destinada particularmente a pedir a Deus o descanso dos fiéis defuntos em
geral. Com efeito, foi apenas no séc. X que, sempre guiada pelo Espírito Santo,
a Igreja instituiu a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, como forma de
estimular-nos a cumprir o grande dever que é rezar pelo mortos, dever prescrito
pela caridade cristã.
A celebração dos fiéis defuntos é de origem relativamente
recente.
O berço em que nasceu esta comovedora solenidade foi a Abadia de Cluny. Santo Odilo, abade de finais do séc. X,
com o exemplo de sua caridade fraterna edificou toda a França. Compadecido
até mesmo dos mortos, ele não cessava de rezar pelas almas do Purgatório.
Foi esta doce caridade que o inspirou a instituir, tanto na abadia como nos
mosteiros dela dependentes, uma festa em comemoração das almas de todos os
falecidos.
É de crer, escreve o historiador Berault, que Santo Odilo
tenha sido levado a isso por uma revelação privada, já que Deus lhe
manifestou milagrosamente como lhe era grata a sua devoção às almas do
Purgatório.
Eis o que nos contam alguns biógrafos. Enquanto o santo
abade governava o mosteiro francês, um piedoso eremita vivia numa pequenina
ilha, na costa da Sicília. Um peregrino francês, devido a uma forte tempestade,
se viu obrigado a desembarcar ali. Encontrando-se com o eremita, este lhe
perguntou se conhecia o abade Odilo. “É claro”, respondeu o peregrino, “eu o
conheço, e muito me alegro por isso. Mas como tu o conheces, e por que me
perguntas isso?” “Já ouvi muitas vezes”, disse o eremita, “os espíritos
malignos se queixarem de homens piedosos que, com preces e esmolas, aliviam a
dor que têm de suportar na outra vida as almas santas; mas eles se
queixam especialmente de Odilo, abade de Cluny, e de sua Ordem. Quando
voltares ao teu país, eu te imploro, em nome de Deus, que exortes este santo
abade e seus monges a redobrarem suas boas obras, em benefício das pobres almas
do Purgatório”.
O peregrino, então, se recolheu no mosteiro de Cluny e fez o
que lhe havia pedido o eremita. Logo em seguida, Santo Odilo ordenou que em
todos os mosteiros da Ordem, após o Dia de Todos os Santos, se comemorassem
todos os fiéis defuntos, com a récita das Vésperas no dia anterior. Na manhã da
festa, durante as Matinas, deveriam soar todos os hinos, e uma Missa seria
rezada pelo descanso eterno das almas benditas.
Esse decreto, válido para a abadia de Cluny e outros
mosteiros, é observado até hoje. Uma prática tão piedosa, naturalmente, logo se
estendeu a mais igrejas e, com o passar do tempo, tornou-se de observância
universal em todo o orbe católico.
Referências
- Trecho da obra “Purgatory: Explained by the Lives and Legends of the Saints” (p. II, c. XVI), Londres: Burns & Oates, 1893, pp. 168-170.
Notas
- A
liturgia da Missa de Requiem foi sensivelmente alterada
pela reforma litúrgica do Papa Paulo VI, mas ainda é possível ler como
antífona de entrada a oração que lhe dá esse nome: “Requiem aeternam
dona eis, Domine: et lux perpetua luceat eis. — Dai-lhes, Senhor, o
descanso eterno, e a luz perpétua os ilumine”.
- Os fiéis católicos “make it their duty”, isto é, “tomam como um dever” assistir à Missa de Comemoração dos Fiéis Defuntos, ainda que não se trate de um dia de preceito.
Por Pe. François Xavier Schouppe
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