As indulgências pro defunctis são como “uma
mesa enorme, coberta de pilhas de prata, ouro, rubis, pérolas e diamantes”, à
disposição de todos os fiéis, para aplicarem às almas de seus entes queridos
que partiram na amizade de Deus.
Falemos agora das indulgências aplicáveis aos
defuntos. Aqui, a divina misericórdia revela-se em sua liberalidade.
Sabemos já que a indulgência consiste
na remissão, fora do sacramento da Penitência, da pena temporal devida ao
pecado, por força do poder das chaves. Em virtude desse poder, recebido
diretamente de Jesus Cristo, a Igreja é capaz de livrar os fiéis de todos os
obstáculos à sua entrada na glória celeste. A Igreja exerce tal poder no
sacramento da Penitência, no qual somos absolvidos dos nossos pecados; mas ela
também o exerce fora desse sacramento, ao nos perdoar a dívida temporal que
permanece mesmo depois da absolvição sacramental. E é pelas indulgências que a
Igreja atua neste segundo caso.
A remissão da pena temporal por meio das indulgências está
ao alcance dos fiéis apenas nesta vida. No entanto, a Igreja pode permitir aos
fiéis, enquanto ainda vivem neste mundo, que transfiram a algum de seus entes
queridos a remissão que, por este meio, poderiam angariar para si. É
isto que faz uma indulgência aplicável às almas do Purgatório.
Aplicar uma indulgência aos defuntos é o mesmo que
oferecê-la a Deus, em nome da Igreja, para que Ele se digne empregá-la em
benefício das almas padecentes. Ora, as satisfações oferecidas à divina justiça
em nome de Jesus Cristo são sempre aceitas, e Deus as pode aplicar a uma alma
em particular, ou a certas almas que Ele mesmo deseja beneficiar, ou ainda a
todas em geral.
As indulgências, além disso, podem ser ou plenárias ou parciais.
É plenária a indulgência pela qual se redime toda a pena temporal devida diante
de Deus. Suponhamos, por exemplo, que para satisfazermos tamanha dívida
tivéssemos que fazer penitência durante cem anos ou sofrer por muito tempo no
Purgatório. Em virtude de uma indulgência plenária adequadamente lucrada, toda
essa pena é perdoada, de maneira que a alma já não ostenta, aos olhos de Deus,
nem sequer uma sombra de pecado, que é justamente o que a impede de
contemplar-lhe o rosto no céu.
A indulgência parcial, por outro lado, consiste na remissão
de certo número de dias ou anos. Esses dias e anos, porém, não representam de
forma alguma dias e anos de sofrimento no Purgatório. Eles devem ser
entendidos, na verdade, como dias e anos de penitência canônica e pública, que
consistem sobretudo em jejuns, como os que eram impostos outrora aos pecadores,
conforme a antiga disciplina da Igreja. Nesse sentido, uma indulgência de
“quarenta dias” ou de “sete anos” nada mais é do que a remissão que
mereceríamos diante de Deus após quarenta dias ou sete anos de penitência
canônica. Mas que proporção existe, afinal, entre esses dias de penitência e o
período que duram as penas do Purgatório? Trata-se de um segredo que a
Deus não aprouve revelar-nos.
Seja como for, as indulgências são um tesouro
espiritual que a Igreja franqueia a todos os fiéis.
Todos, com efeito, têm
permissão para extrair daí quanto for necessário à plena satisfação de suas
dívidas ou das de outros. De fato, foi com essa imagem ou comparação que Deus
revelou um dia a Santa Mariana de Jesús de Paredes o que eram as indulgências[1]. Um dia, arrebatada em êxtase, ela viu no centro de um amplo espaço uma
mesa enorme, coberta de pilhas de prata, ouro, rubis, pérolas e diamantes. Ao
mesmo tempo, ela escutou uma voz que lhe dizia: “Essas riquezas são
propriedade pública: que cada um se aproxime e tome o que quiser”. E Deus
lhe deu a entender que aquela visão era um símbolo das indulgências.
As indulgências são um tesouro espiritual que a Igreja
franqueia a todos os fiéis.
Eis por que é grande a nossa culpa se, diante de tanta
abundância de bens, permanecemos pobres, privando-nos a nós mesmos e recusando-nos
a ajudar a outros. Não! As almas do Purgatório padecem extrema necessidade,
elas nos suplicam com lágrimas no meio de seus tormentos. E se temos meios para
satisfazer, com indulgências, as dívidas que contraíram, por que nos
esforçamos tão pouco para pagá-las?
Abrir esse tesouro por acaso é custoso ou exige
dolorosíssimos esforços, como jejuns e privações insuportáveis à natureza? Ora,
“ainda que fosse assim”, diz com razão o eloquente Pe. Segneri, “deveríamos
estar dispostos a suportá-lo. De fato, não vemos como os homens, por amor ao
ouro perecível, a fim de preservar uma obra de arte, para salvar parte de sua
fortuna ou propriedade, se expõem às chamas e ao fogo? Não devíamos nós,
portanto, esforçar-nos igualmente para salvar do fogo
expiatório aquelas almas resgatadas pelo Sangue de Jesus Cristo?”
A bondade divina não nos pede nada extremamente doloroso: o
único que exige de nós são obras tão ordinárias e simples como um Terço, uma
comunhão, uma visita ao SS. Sacramento, uma esmola ou uma aula de catequese
sobre os rudimentos da fé aos órfãos. E no entanto descuidamos de lucrar bens
tão preciosos, e por meios tão fáceis, que poderíamos facilmente aplicar, quem
sabe, a um pobre parente falecido que geme hoje nas chamas do Purgatório!…
Referências
- Trecho da obra “Purgatory: Explained by the Lives and Legends of the Saints” (p. II, c. XXVI), Londres: Burns & Oates, 1893, pp. 193-195.
[1] Referida no original
inglês simplesmente como Blessed Mary of Quito, Santa Mariana de
Jesús de Paredes é a primeira equatoriana canonizada pela Igreja e sua festa
litúrgica se celebra no dia 26 de maio.
Por Pe. François Xavier Schouppe
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