Santo Ângelo, Presbítero e mártir

Segundo fontes da tradição dignas de crédito, Ângelo veio do
Monte Carmelo entre os primeiros carmelitas, que imigraram para a Sicília; foi
assassinado por homens ímpios em Licata, na primeira metade do século XIII.
Venerado como Mártir, bem cedo edificou-se uma igreja no lugar do seu martírio
e ali foi depositado o seu corpo.
Ângelo foi para a Sicília com os religiosos que do Carmelo
emigraram para aquela ilha, onde morreu, segundo dados tradicionais, que
demonstram ser dignos de fé. Foi assassinado em Licata[2] pelas
mãos de “ímpios infiéis” na primeira metade do século XIII. Por ser considerado
mártir, foi construída uma igreja em sua honra no local da morte. O seu corpo
foi colocado num altar desta igreja. Estas poucas informações e uma outra
recolhida, em torno 1370, pelo beneficiário da São João do Latrão, Nicolau
Processi, que se refere sobre a ida de Ângelo, em Roma – tomada do Catalogus
Sanctorum composto até o final do século XIV ou início do XV, foram
enriquecidas com lendas particulares até formar uma verdadeira história
biográfica.
Muito conhecida e difundida é a vida de Santo Ângelo escrita
por um certo Enoque, que se apresenta como carmelita e patriarca de Jerusalém e
que viveu nos primeiros decênios do século XIII. Mas na verdade foi um
siciliano quem a escreveu na primeira metade do século XV, utilizando fontes
históricas palestinas (Guilherme de Tiro e Jacques de Vitry), fontes
hagiográfica beneditinas e dominicanas e a literatura apocalíptica do século
XIV. Pode-se deduzir isto por causa das falhas contidas na sua obra (como por
ex.: ignorância da topografia da Palestina; a Regra Carmelitana teria sido
escrita por um certo patriarca Alberto no ano 412, enquanto que esta foi dada
alguns anos depois da entrada de Ângelo e de seu irmão em 1204/1205 entre os
carmelitas; Jerusalém estaria ainda nas mãos dos cristãos em 1219; um jovem
teria sido libertado do inferno por um milagre de Santo Ângelo; cita um tal de
Goffredo, arcebispo de Palermo, que não existiu no período indicado) e pelos
elementos cronológicos ali presentes (profecias que se adaptam bem à situação
após a batalha de Kosovo[3] de
1389, a invasão da Bulgária e da Valacchia[4] em
1393).
Segundo esta biografia, os pais de Ângelo eram judeus e se
chamavam Jessé (ou José) e Maria. O nascimento de Ângelo e de seu irmão João
foi preanunciado pela Virgem Maria numa aparição aos seus pais. Após esta
aparição os pais de Ângelo se converteram ao cristianismo. Ao se tornarem
órfãos, os dois irmãos foram educados pelo patriarca Nicodemos até a idade de
18 anos; quando entraram no convento Santa Ana dos Carmelitas junto à Porta
Áurea em Jerusalém, a pátria deles. Após um ano de prova, foram para o Monte
Carmelo. Viveram naquele monte por 10 anos em rigoroso ascetismo. Ângelo
começou logo a imitar a força taumatúrgica dos profetas Elias e Eliseu: fez retornar
à superfície um machado caído na água[5],
passou o rio Jordão a pé enxuto[6],
curou leprosos[7],
fez ressurgir os mortos[8] e
cair fogo do céu[9].
Aos 28 anos, Ângelo, após ter estado em Jerusalém para receber a ordenação
sacerdotal, se retirou no deserto da Quarentena, permaneceu ali por 5 anos em
oração e penitência. Ao final deste período, numa aparição Cristo lhe ordenou
ir para a Sicília com a finalidade de tentar a conversão de um pecador chamado
Berengário, que há muito tempo convivia com a própria irmã e com a qual tinha
tido 3 filhos. Antes, porém, devia passar por Alexandria para pegar algumas
relíquias. Ao rezar para que o Senhor protegesse a Cidade Santa, foi informado
sobre o futuro de Jerusalém, da Terra Prometida e do Cristianismo no Egito,
Ásia Menor e Europa Meridional: mensagem que ele deveria divulgar nas suas
pregações. Voltou para Jerusalém, aonde seu irmão João tinha se tornado
patriarca. Ali Ângelo pregou para 60.000 pessoas e depois, tomou consigo três
companheiros, foi para Alexandria e pegou as relíquias que o patriarca Atanásio
lhe entregou. Embarcou no dia 1º de abril de 1219 numa nau genovesa, mas antes
da chegada na Sicília topou 4 navios cheios de sarracenos. Estes espancaram
Ângelo e seus companheiros. Entretanto, à oração do santo desceu fogo do céu
que matou 60 dos agressores e deixou cegos outros 300. Estes, após a conversão,
milagrosamente ficaram curados. Após uma parada em Messina, dirigiram-se para
Civittavecchia, aonde entregou as relíquias para Frederico de Chiaramonte. Dali
dirigiu-se para Roma. Durante a vista aos lugares santos, em São João do Latrão
encontrou-se São Francisco e São Domingos. Na ocasião Ângelo predisse os
estigmas a São Francisco. Ângelo recebeu de São Francisco o anúncio de que
seria martirizado em breve. Retornando à Sicília, em Palermo foi hóspede dos
basilianos de Santa Maria da Gruta, aos quais pregou durante 40 dias. Depois
foi para Agrigento. Passando pelas termas de Cefalà, curou 7 leprosos
(indicados com nome e lugar de origem), como também ao arcebispo de Palermo de
nome Goffredo; pregou depois em Agrigento por 50 dias antes de chegar em
Licata. Primeiro em segredo e depois publicamente tentou converter Berengário,
que – desesperado por causa da conversão da irmã – no dia 5 de maio de 1220,
enquanto Ângelo pregava para 5.000 pessoas junto à igreja dos santos Felipe e
Tiago perto do mar, feriu o santo mortalmente com cinco golpes de espada. Antes
de morrer, o santo recomendou para que não vingassem a sua morte. Oito dias
depois de sua morte e de vários prodígios, Ângelo apareceu ao arcebispo de
Palermo e lhe pediu sepultura.
Os escritos da vida atribuída a Enoque contam também uma
aparição de São João Batista que ordena a Atanásio de Chiaramonte, patriarca de
Alexandria, para entregar a Ângelo algumas relíquias. Este deveria levá-las
para a Itália e entregá-las para seu irmão Frederico de Chiaramonte.
A biografia de Enoque não merece grande confiança, apesar de
que alguns elementos parecem receber confirmação de outras fontes (um documento
de entrega de relíquias a Frederico de Chiaramonte, ao qual se refere F. Ughelli-N.
Coleti, Italia sacra. I, Venetiis 1717, pp. 231-234; a pertença em
1219-20 do mosteiro Santa Maria da Gruta de Palermo aos basilianos). O certo é
que o autor introduz informações corretas numa composição de fantasia.
Já venerado no século XIV, após a divulgação da vida
atribuída a Enoque, o culto de Santo Ângelo teve grande difusão entre os
carmelitas e o povo. O Capítulo Geral dos Carmelitas de 1498 prescreveu que em
todos os conventos carmelitas se fizesse uma comemoração todos os dias. Em 1564
se estabeleceu a celebração da festa com oitava solene.
As relíquias foram colocadas numa igreja carmelita; em 1457
os seus confrades obtiveram do Papa Calixto III a permissão para levá-las ao
convento, mas não se fez nada até 1605. As relíquias foram tiradas da caixa de
madeira em 1486 e colocadas numa urna de prata. No dia 5 de maio de 1623 foram
colocadas numa urna ainda mais preciosa. Em 15 de agosto de 1662 a urna foi
levada para a igreja atual. Para recordar a libertação da peste, em 1625 foi
instituída uma festa em agosto, que é celebrada até hoje. No dia 4 de maio de
1626 Santo Ângelo foi proclamado também patrono de Palermo.
ORAÇÃO: Ó Deus, nosso Pai, fortaleza dos fiéis e
coroa dos mártires, pela vossa graça Santo Ângelo foi chamado do Carmelo para o
triunfo sobre os tormentos do martírio; por sua intercessão, concedei-nos
seguir os seus exemplos, para que nós também possamos dar testemunho da vossa
presença e da vossa bondade, até à morte. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
na unidade do Espírito Santo. Amém.
ICONOGRAFIA. Em torno de 1430, o pintor
carmelita Filippo Lippi o afigurou na Madonna Trivulzio (Milano,
Musei civici); várias vezes está nos afrescos (1472-73) do Santuário do Carmo
de S. Felice del Benaco; dos últimos anos do mesmo século é a gravura atribuída
a Tommaso De Vigilia, hoje Carmo de Palermo; o Pordenone a pintou
na Madonna del Carmine (Venetia, Accademia delle Belle Arti).
Em seguida as representações tornam-se mais frequentes. Seus
atributos: hábito carmelita (que o distingue de São Pedro mártir, dominicano),
uma adaga na cabeça, um punhal no peito, uma palma na mão sozinha ou enfiada em
três coroas. A tela de L. Caracci da Pinacoteca de Bolonha tem um falso título:
não se trata do martírio de Santo Ângelo (crucificado numa árvore e com uma
flecha no peito), mas é de um outro carmelita, ou seja, de São Pedro Tomás,
bispo. Pedro Testa o representou na Basílica São Martinho aos Montes de Roma
com a visão de Cristo no deserto.
LENDAS E FOLCLORE: De Santo Ângelo tomou o nome
a localidade Santo Ângelo Muxaro[10] na
Província de Agrigento (Sicília) por causa de uma possível estada sua ali; ele
também teria habitado numa gruta nos arredores, que estava infestada de
espíritos imundos, que ao fugirem, deixaram por sua vez uma grande fenda em
forma de cruz; na mesma gruta há a “cama” do santo escavada na rocha. Em Cefalà
Diana[11] se
mostra a pegada do pé de Santo Ângelo na pedra onde sai a água quente. Em
Caltabellotta[12] se
conserva o púlpito onde ele teria pregado; em Agrigento havia uma capela na
qual ele teria celebrado missa. Teria estado também em Lentini[13].
A sua maior devoção, como é natural, é em Licata, da qual é
padroeiro. À direita da igreja ainda hoje está a fonte, que, segundo se diz,
brotou no local do martírio e da qual os devotos pegam água sobretudo nas duas
festas anuais em maio e agosto. A ele os licateses atribuem a preservação da
cidade quando aconteceu o ataque dos turcos em 1553 e a libertação da peste em
1625: foi nesta última ocasião que se estabeleceu a ampliação da igreja (já
tinha sido aumentada em 1564), depois reinaugurada em 1662. Até pouco tempo
atrás, e em parte ainda hoje, a festa de 5 de maio era celebrada com costumes próprios:
na noite da vigília se queimava um barco em honra do santo; no dia da festa se
oferecia animais enfeitados (hoje reduzida à bênção de cavalos – fig. 11) e de
velas. Durante a tarde se realiza a procissão com a urna do santo circundada
por grandes velas em cima de gigantescos candelabros: na rua Príncipe de
Nápoles a urna é passada para os marinheiros que completam o trajeto com tochas
na mão, recordando o episódio dos turcos obrigados a se afastar.
Referências:
bibl.: L. Saggi, S. Angelo di Sicilia; studio sulla
vita, devozione, folklore, Roma, 1962. Ali há mais bibliografia. Para a
iconografia adicionar: Emond, I, pp. 130-136, II, pp. 79-83.
ludovico saggi
[1] Tradução
e notas de Frei Wilmar Santin, O.Carm.: “ANGELO di Sicilia”, in Santi del
Carmelo, Institutum Carmelitanum, Roma 1972, pp. 172-175
[2] Licata
é uma cidade da Sicília, Província de Agrigento. Tem em torno de 40 mil
habitantes. Suas origens remontam à Pré-história.
[3] Vencida
pelos otomanos contra os exércitos da Sérvia e Bósnia. Esta vitória
possibilitou a conquista dos Bálcãs pelo Império Otomano.
[4] Fica
na região sul da Romênia.
[5] Cf.
2Rs 6,1-7 = prodígio realizado pelo Profeta Eliseu.
[6] Cf.
2Rs 2,8 = Elias e Eliseu passaram o Jordão a pé enxutos.
[7] Cf.
2Rs 5,1-27 = Eliseu cura do sírio Naamã da lepra.
[8] Cf.
1Rs 17,17-24 = Elias ressuscita o filho da viúva de Sarepta; 2Rs 4,18-37 =
Eliseu ressuscita o filho da sunamita.
[9] Cf.
2Rs 1,9-14 = por duas vezes Elias faz descer fogo do céu, que devorou os
soldados enviados pelo rei com a finalidade de prenderem o Profeta.
[10] Atualmente
tem pouco mais de 1.500 habitantes.
[11] Cefalà
Diana é uma localidade da Sicília com 1.032 habitantes (2007).
[12] Caltabellotta
é uma cidade da Sicília, Província de Agrigento. Em 2008 tinha pouco mais do
que 4.100 habitantes. Suas origens históricas remontam aos tempos antes de
Cristo.
[13] Lentini
é uma cidade da Sicília, Província de Siracusa. Tem em torno de 24 mil
habitantes.