A notícia do reconhecimento do milagre atribuído à
intercessão do Beato Tito Brandsma e a aprovação da sua canonização foi acolhida
com grande júbilo em toda Ordem Carmelita. O mundo conhecerá o frade professor
e jornalista que colocou em risco a própria vida por defender a verdade e a
justiça cumprindo seu papel de profeta pela causa do Reino.
Foram muitos os sacerdotes maltratados e assassinados nos
campos de concentração no tempo do regime nazista, entre eles, o carmelita Tito
com a sua simplicidade conseguiu plantar o amor mesmo em meio a tantas trevas.
Cristo na vida do Beato Tito é o modelo principal ao qual
devemos conformar a nossa própria vontade. Seus escritos revelam a sua
sensibilidade em ver com os olhos da alma, viver na contemplação para ter uma
vida missionária fecunda que toque os problemas do seu tempo. Em Tito Brandsma
o carisma carmelitano encontra realização, o homem do silêncio da cela é o
mesmo que levanta sua voz em defesa da vida e dos direitos humanos.
As páginas que seguem têm como objetivo apresentar, mesmo
que de modo resumido, a figura desse frade que deixou um testemunho muito
profundo através do seu martírio. Em um mundo onde as grandes mídias precisam
mais do que nunca agir por meio da verdade para o bem de todo ser humano, onde
as opressões ainda são tantas, onde a corrupção e o egoísmo reinam, a mensagem
do Beato Tito é um sinal de esperança e do Amor de Deus para com seus filhos.
Beato Tito Brandsma, uma vida conformada a Cristo.
Anno Siurd Brandsma nasceu em 23 de fevereiro de 1881 na
Frisia, uma região ao norte da Holanda. O lugar silencioso no campo
proporcionou a Anno um contato com a natureza e com a contemplação. Desde
menino foi muito sensível e apaixonado por poesia, escreveu muitas delas,
apesar da sua timidez para declamá-las.
De família católica, o que não era tão comum no seu contexto
rodeado pelo protestantismo, recebeu dos pais os princípios cristãos e o
compromisso com a fé. Dos seis filhos, cinco foram religiosos, quase
todos franciscanos, afinal, a paróquia que frequentavam e o colégio que
estudavam eram dirigidos por frades da Ordem de São Francisco. Somente uma de
suas irmãs casou-se e teve filhos, mesmo depois de sua entrada na vida
religiosa Anno conservou um contato saudável e muito afetuoso com seus
familiares.
Tito sempre teve uma saúde muito frágil e apesar de alto não
era um jovem robusto e forte. Sua estrutura física não lhe permitia uma vida
religiosa de certo estilo, como exigia, por exemplo, a Ordem Franciscana
naquela época. Até mesmo depois como Carmelita, desejou ser missionário, mas,
pelo mesmo motivo nunca conseguiu.
A sua Primeira Eucaristia marcou muito sua vocação ao
sacerdócio. Isso pode explicar o amor do Beato Tito ao Sacrifício Eucarístico e
o seu ardente desejo de viver o seu sofrimento como um sacrifício de amor,
configurando-se ao Cristo.
Com 11 anos se “separa da família” e entra no pensionato em
Meghen, colégio Franciscano para rapazes no qual logo depois entraria também o
seu irmão que anos depois se tornou frade franciscano.
Os próprios franciscanos que acompanharam o discernimento
vocacional de Anno o aconselharam a procurar os Jesuítas, considerando o seu
grande interesse aos estudos, mas, o jovem escolheria o Carmelo.
A espiritualidade carmelitana, a vida de oração, e a particular
devoção a Nossa Senhora foram fatores importantes na escolha da Ordem
Carmelita. Em 1898 com 17 anos entra no noviciado carmelita em Boxmeer. Vestiu
o hábito do carmo em 22 de setembro de 1898 e passou a se chamar Tito, como o
seu pai e o grande discípulo de São Paulo.
Tito realmente mergulhou nessa espiritualidade que tem o
Profeta Elias como grande inspirador. De fato, a profecia é muito presente na
vida de Tito que foi um frade de uma mística profunda e uma contemplação que
encontrava eco nas suas atividades.
Na espiritualidade carmelitana é fundamental a relação entre
silêncio e anúncio, solidão e fraternidade, contemplação e missão. O Carmelita
é orientado pela Regra de Vida a conservar a intimidade da cela, a vida
interior, a meditação constante da Palavra de Deus. Mas, ao mesmo tempo essa
“vida interior” é direcionada a ser uma expressão da presença de Deus, ou seja,
para ser uma contemplação eficaz deve tocar a realidade e ultrapassar a
experiência individual. O Carmelita se alimenta da Palavra para transmiti-la,
conserva o silêncio para escutar, se enche de Deus para trasbordá-lo. Assim foi
a vida do Beato Tito Brandsma que não mediu esforços para testemunhar o Amor de
Cristo até as ultimas consequências.
Tito Brandsma estudou em Roma em meados de 1906 onde se
interessou particularmente pela espiritualidade e mística. Anos depois ao
retornar à sua pátria, começa a trabalhar com jornalismo, colaborando com
diversas revistas já existentes e criando novos projetos. Unindo o amor pela
mística e pela escrita, dedicou-se na tradução das obras de Santa Teresa
d’Ávila para o holandês.
Tito foi convidado a fazer parte do corpo de professores que
fundaram em 1923 a Universidade Católica de Nimega, ensinou várias matérias
como história da filosofia, filosofia natural, teologia natural, filosofia da
historia e história da mística. Em 1932 se torna Reitor Magnifico da mesma
universidade, onde representou muito no desenvolvimento da entidade e atuou em
diversas melhorias no local onde desde 1968 é sede do “Instituto de
Espiritualidade Tito Brandsma”, o que demonstra o profundo reconhecimento da
Instituição ao trabalho do frade carmelita.
Em 10 de maio de 1940 as tropas alemãs invadem a Holanda com
violência brutal destruindo os direitos de cada ser humano. Centenas de pessoas
foram conduzidas à prisão, muitos trancados em campo de concentração com
trabalhos desumanos que os levavam ao extremo ou à morte.
Certamente a figura de Tito Brandsma incomodou muito,
afinal, o frade representava dois órgãos importantes: a educação e a imprensa
católica, Tito era há muito tempo presidente da União das Escolas Católicas.
Quando interrogado por seus amigos e familiares sobre os perigos de suas
posições, responde: “Estou preocupado, mas não com medo. Esconder-me? Não quero.
Mandar os meus amigos na primeira fila da batalha e me retirar? Isso jamais”.
Para Tito Brandsma o Jornalismo era uma vocação ao serviço e
à Verdade. Em 1935 é nomeado assistente eclesiástico da União dos Jornalistas
Católicos. A posição do Beato Tito diante dos eventos de violação dos direitos
humanos seja na Alemanha que na Holanda era clara, a defesa pela vida, pela
verdade e o empenho com a fé o levaram ao martírio.
Não sem motivo o Beato Tito é considerado um grande exemplo
para todos aqueles que se dedicam com a transmissão da verdade. Em um contexto
social onde a liberdade religiosa, o compromisso da imprensa com a verdade e os
direitos humanos continuam ameaçados, a mensagem de Tito Brandsma é mais que
atual: “Depois daquele da Igreja, a estampa é o melhor púlpito para pregar a
verdade e não só para responder àqueles que nos atacam, mas, para proclamar a
verdade dia após dia. A estampa é a força da Palavra contra a violência das
armas. É a força da nossa luta pela Verdade”.
O Beato Tito Brandsma foi preso em janeiro de 1942 e passou
por diversos cárceres onde com intenso senso místico o sofrimento, a humilhação
e a crueldade o uniram ao sofrimento de Cristo.
Em 1942 estava no campo de Dachau perto de Munique na
Alemanha, a saúde muito frágil o levou à enfermaria. De fato, tratando-se de um
capo de trabalhos forçados, aqueles que não tinham mais forças eram descartados
e conduzidos à morte. Em Dachau morreram mais de 1600 sacerdotes e entre eles
podemos contar o nosso beato que teve fim ao seu sofrimento por meio de uma
injeção letal que foi aplicada por uma enfermeira que depois contribui com o
processo de beatificação.
O testemunho da enfermeira, identificada com o nome fictício
de “Tizia” permanece aos cuidados da cúria geral dos carmelitas. Apesar disso,
conhecemos parte desse testemunho profundo que, unido a tantos outros, revelam
a profunda sensibilidade e mística do beato Tito Brandsma.
As enfermeiras que trabalhavam no Campo de Concentração
Nazista colaboravam com o extermínio de prisioneiros principalmente idosos e
enfermos e agiam também sob ameaças daqueles que dirigiam as atividades do
campo. Por esse motivo, eram certamente odiadas pelos enfermos que cuidavam.
Mas, o beato Tito era diferente de todos os outros e conseguiu plantar amor num
ambiente rodeado de morte e sofrimento.
Dias antes da sua morte Tito entregou o rosário que tinha
construído com pedacinhos de madeira à enfermeira a qual lhe explicou que por
não saber rezar o objeto seria inútil. Mas, insistindo pediu que rezasse ao
menos a última parte da ave Maria “rogai por nós pecadores” e que dessa forma,
reconhecendo suas faltas, seria perdoada.
Depois da injeção, frei Tito Brandsma morreu na enfermaria
de Dachau diante da enfermeira, do médico responsável e dos outros irmãos
enfermos. Tinzia se recordava com precisão os detalhes:
“Dei-lhe a injeção por volta das dez para as duas. Isso
aconteceu em 26 de julho de 1942. Todo aquele dia eu me senti mal. Essa injeção
me impressionou muito, enquanto em outros casos não teve nenhum efeito em mim.
Ele morreu às duas da tarde. Eu estava presente em sua morte. O coração parou
de bater. O médico estava sentando perto com um estetoscópio, apenas para
manter as aparências. Naquele momento o médico me disse: “Aquele cachorro porco
está morto”. Então o médico e eu saímos. Desde então, eu não vi mais o seu
corpo. Não sei o que fizeram. O médico saiu comigo e imediatamente preencheu o
formulário com a causa da morte”.
Tito Brandsma foi beatificado no dia 3 novembro de 1985 por
São João Paulo II, seu testemunho a favor da verdade, dos direitos humanos e da
vida revelam como o frade carmelita viveu profundamente a espiritualidade da
sua Ordem e, principalmente, como se deixou plasmar pela vontade divina e pelos
exemplos de Cristo.
No dia 25 de maio de 2021 foi conhecido o milagre para a sua
canonização que teve a confirmação e aprovação do Papa Francisco. Em breve,
poderemos chamar frei Tito Brandsma de Santo e alegrarmo-nos com mais esse
filho do Carmelo que compõe o número de nossos irmãos e irmãs que deram
testemunho de Jesus Cristo com a própria vida e agora intercedem por nossas
intenções.
A vida do Frei Tito foi um testemunho concreto de amor a
Deus e aos irmãos, o seu compromisso com a Verdade e sua luta em favor da vida
o conduziram ao sofrimento dos campos de concentração. Porém, “completando em
sua carne os sofrimentos de Cristo”, tornou-se ainda mais unido a Ele como
vemos no poema que escreveu durante a sua prisão de Schevenigen.
“Ó Jesus, quando te contemplo,
Eu redescubro, a sós contigo,
Que te amo e que teu coração
Me ama como a um dileto amigo.
Ainda que a descoberta exija
Coragem, faz-me bem a dor:
Por ela me assemelho a ti
Que ela é o caminho redentor.
Na minha dor me rejubilo:
Já não a julgo sofrimento,
Mas sim predestinada escolha
Que me une a ti neste momento.
Deixa-me, pois, nessa quietude,
Malgrado o frio que me alcança.
Presença humana não permitas,
Que a solidão já não me cansa,
Pois de mim sinto-te tão próximo
Como jamais antes senti.
Doce Jesus, fica comigo,
Que tudo é bom junto de ti”.
Nessas palavras podemos perceber a profundidade de uma vida
transformada em Cristo. O escândalo da cruz continua a ser loucura aos olhos do
mundo, doar a vida pela causa do Reino de Deus, uma insensatez para os que
ainda não conhecera o seu Amor. Sabemos que Tito Brandsma escreveu essas linhas
entre os dias 12 e 13 de fevereiro de 1942 diante de uma pequena imagem de
Cristo Crucificado que conservou em sua cela no campo de Schevenigen. Palavras
que, certamente, são frutos da oração que é “a sós com Jesus” como dizia Santa
Teresa d’Ávila de quem o Beato Tito era muito devoto. A experiência de intima
amizade apresentada por Santa Teresa se revela na vida do sacerdote carmelita
que atingiu o mais elevado grau da oração porque foi capaz de conformar a
própria vida com a vida de Cristo principalmente por meio do sofrimento, do
martírio e do perdão aos seus algozes.
Cristo ocupa um lugar central na vida do Padre Tito, a sua
luta pela justiça e pela verdade não era uma causa desassociada dos princípios
da Fé cristã, mas, uma adesão total ao Evangelho d’Aquele que é o Caminho, a
Verdade e a Vida.
Mais com obras do que com palavras, nosso carmelita
testemunhou um amor que transborda do próprio coração até atingir o outro, os
mais necessitados da graça de Deus e da Sua misericórdia. A luta do Padre Tito
antes e durante a ocupação nazista na Holanda contra a difusão das ideologias
do nacional socialismo e sua defesa à liberdade das escolas e imprensa católica
demostram uma fé encarnada na realidade. Uma missão totalmente ancorada na
presença de Deus, para frei Tito: “Só a ação não é suficiente. Deve nascer de
modo consciente de um coração abitado por Deus”.
Por Frei Juliano, O.Carm
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