São Josemaria: 24 horas perseguindo a santidade


Uma vez, perguntaram a Dom Álvaro del Portillo como era um dia do fundador do Opus Dei. Depois de explicar que “não se pode falar de uma jornada 'habitual', porque a sua atividade se organizava sempre em função do que o Senhor lhe pedia”, contou como seria um dia típico dos anos sessenta.

O que era verdadeiramente habitual no nosso Fundador era a disposição de secundar em todos os instantes o querer divino.

Mas não há dúvida de que, ao longo da sua existência terrena, se submeteu a um plano de vida que tinha alguns pontos de referência intocáveis: a oração mental, a Santa Missa, a recitação do Breviário e do terço, e outras práticas de piedade. Com efeito – contrariamente ao que poderia pensar quem o tivesse ouvido falar apenas de santificação do trabalho, sem conhecer bem o espírito do Fundador da Obra –, repetia constantemente esta verdade fundamental: “A arma do Opus Dei não é o trabalho: é a oração. Por isso, convertemos o trabalho em oração e temos alma contemplativa”.

Mas, mesmo conservando esses pontos essenciais, as jornadas do Padre tiveram características muito diferentes conforme as épocas: por exemplo, as suas jornadas dos anos trinta, em que desenvolvia uma atividade pastoral intensa e direta nos bairros de Madri, eram muito diferentes das dos anos sessenta, em Roma, em que a sua ocupação fundamental se concentrava em governar e cuidar do desenvolvimento da Obra.

Falemos então de um dia típico do Padre, em Roma, nos últimos anos.

Nos fins dos anos sessenta, o Padre, obedecendo ao que os médicos lhe haviam prescrito, descansava todas as noites entre sete horas e meia e oito: era tão fiel a essa indicação que, apesar de acordar muito antes, não saía da cama enquanto não lho dizia o pe. Javier Echevarría. Antes de receber essa indicação médica, tinha o costume de levantar-se logo que acordava, ou logo que tocava o despertador, mesmo que tivesse dormido apenas duas ou três horas: nunca permanecia na cama além do tempo previsto nem nunca dormiu a sesta. Para não nos causar preocupações, não gostava de falar das suas longas horas de insônia, que passava entregue à oração. Divertia-me muito sempre que alguém lhe perguntava, pela manhã, se tinha descansado bem; o Padre respondia com frequência: “Muito obrigado, igualmente”; assim dava a impressão de ter respondido à pergunta, quando na verdade a eludia.

O “minuto heroico”

Mal acordava, vivia o “minuto heroico”: pulava da cama e beijava o chão, pronunciando como jaculatória um vibrante “Serviam!” (“Servirei!”). Oferecia todo o seu dia ao Senhor e fazia o sinal da cruz sobre a testa, os lábios e o peito, enquanto repetia: “Todos os meus pensamentos, todas as minhas palavras e as obras todas deste dia, ofereço-as a ti, Senhor, e a minha vida inteira por amor”. Beijava também o crucifixo e a imagem de Nossa Senhora que tinha sobre o criado-mudo.

Enquanto se barbeava, costumava repetir as orações que tinha aprendido na infância dos lábios de seus pais. Muitas vezes, sobretudo a partir dos anos cinquenta, em que passou a ter um quarto individual, rezava essas orações em voz alta, até cantando. Depois do asseio pessoal, procurava deixar o banheiro bem limpo, arejar o quarto e cuidar de que tudo estivesse em ordem, por delicadeza para com as pessoas que se ocupavam das tarefas domésticas e para lhes facilitar o trabalho.

Oração mental

Logo a seguir, prosseguindo a oração mental que tinha feito enquanto permanecia acordado na cama, fazia outra meia hora como preparação imediata para a Santa Missa. Às vezes, pregava a meditação aos que estávamos no oratório; devo dizer que todos esperávamos, como um grande presente do Senhor, esses momentos em que o Padre, por assim dizer, “levantava um pouco o véu” da sua alma e nos confiava, na presença de Deus, detalhes da sua vida interior. Mas geralmente, sobretudo nos últimos anos, utilizava os volumes de “Meditações” que se tinham escrito por sua indicação.

Quanto à Santa Missa, seria preciso estender-se muito mais...

Café da manhã e jornal

Muito bem; deixemos o tema para depois. O seu café da manhã era frugal e rápido, de acordo com o seu profundo espírito de mortificação e a severa dieta prescrita pelos médicos depois de lhe terem diagnosticado a diabete. Limitava-se a uma xícara de café com leite sem açúcar, sem pão, e a uma fruta, geralmente uma maçã ou uma pera. Manteve esse regime depois de se ter curado da diabete, substituindo a fruta por um pedacinho de pão. O café era sempre pouco forte, e o leite, desnatado.

Depois do café da manhã, dedicava uns minutos à leitura do jornal. Começava por dividi-lo em duas partes e depois ia-as passando para mim, que tomava o café com ele. Notava-se que, enquanto lia, rezava por tantos problemas do mundo e da Igreja. Nos últimos anos, pode-se dizer que praticamente não conseguia avançar na leitura, porque muitas vezes acontecia que, mal começava a ler, se alheava imediatamente das notícias e a sua mente mergulhava por completo em Deus: apoiava a testa na palma da mão direita, fechava os olhos e rezava, aproveitando a circunstância de estar a sós comigo. Olhando-o e vendo-o tão absorto em Deus, eu também rezava.

Depois do Breviário, que costumava recitar com o pe. Javier Echevarría e comigo, antes de começar a trabalhar, dedicava um tempo à leitura meditada do Novo Testamento. Anotava com frequência uma ou outra frase, logo depois de lê-la, e servia-se dela na pregação, nos seus escritos ou na oração mental da tarde, etc. Sei ao certo que sempre tirava dessa leitura pelo menos um pensamento para meditá-lo durante o dia na presença de Deus.

Manhã de trabalho

A manhã de trabalho começava normalmente com o despacho de assuntos relacionados com o governo do Opus Dei. Nesse trabalho de governo, o nosso Fundador via sempre “almas” por trás dos papéis. Para manter-se na presença de Deus, servia-se de alguns “expedientes humanos”; por exemplo, olhava frequentemente para o crucifixo da parede ou para a imagem de Nossa Senhora que tinha sobre a mesa de trabalho. Impressionou-me sempre o carinho com que beijava essa imagem quando eu, inadvertidamente, a deixava cair ao mudar alguma coisa de lugar.

Depois chegava a hora do correio. O Padre gostava de abrir os envelopes pessoalmente, embora depois os passasse a mim – e, nos últimos anos, também ao pe. Javier –, para que o ajudasse a ler o conteúdo. Separava as cartas relacionadas com o governo da Obra, dirigidas ao Conselho Geral, das pessoais. Quanto a estas últimas, advertia-nos que, se víssemos que alguma era confidencial, a devolvêssemos imediatamente sem lê-la. Estou certo de que o Padre não leu nenhuma carta sem rezar pela pessoa que a tinha escrito e pelo problema que lhe expunha.

Terminada a leitura do correio, rezava o “Ângelus” ao meio-dia. Era um momento importante da sua jornada, porque, além de ser uma conversa filial com Nossa Senhora, marcava o momento em que a sua devoção eucarística mudava de sinal: até então, tinha passado a manhã dando graças a Deus pela Missa que havia celebrado; a partir do ”Ângelus”, começava a preparar-se para a Missa que celebraria no dia seguinte (ver mais sobre a como São Josemaria vivia a devoção à Missa neste artigo).

Depois, começava o período dedicado a receber as numerosas pessoas que vinham, às vezes de países muito longínquos, visitar o nosso Fundador e receber o seu estímulo e os seus conselhos. Determinou que, salvo algum caso excepcional, cada visita durasse dez minutos: em parte, por um motivo de ordem, já que eram muitos os que desejavam conhecê-lo; e em parte por mortificação, para evitar entreter-se mais demoradamente com pessoas cuja companhia, por uma ou outra razão, lhe fosse mais grata. Naturalmente, quando era conveniente, dedicava às pessoas todo o tempo necessário e não hesitava em marcar um novo encontro.

Tempo para conviver

Depois de despedir-se da última visita com uma bênção sacerdotal e paterna, rezava com os membros do Conselho Geral as Preces da Obra: como é costume no Opus Dei, beijava o chão dizendo “Serviam!” (“Servirei!”) e renovava interiormente o oferecimento de obras que tinha feito pela manhã; a seguir, rezava as invocações de louvor e súplica à Santíssima Trindade, a Jesus Cristo, à Santíssima Virgem, a São José e aos Anjos da Guarda; rezava pelo Papa e pelo bispo da diocese – quando estava fora de Roma –, pela unidade no apostolado, pelos benfeitores da Obra, pelos seus filhos e pelos defuntos, e concluía com uma oração e uma invocação aos seis Padroeiros do Opus Dei: três Arcanjos e três Apóstolos.

No fim das Preces, fazia um breve exame de consciência sobre a metade da jornada transcorrida e considerava, em particular, como tinha cumprido o propósito formulado no exame de consciência da noite anterior. Se percebia que, naquela manhã, tinha havido alguma coisa de que devesse pedir perdão a alguém, agia com rapidez, procurando imediatamente o interessado.

Normalmente, só o pe. Javier Echevarría e eu almoçávamos com o Padre, pela simples razão de que não queria constranger os seus filhos mais novos, que certamente precisavam comer mais, pois era muito austero nas refeições. Também por este motivo, quando tinha convidados, engenhava-se para não fazer notar a sua frugalidade e para não deixar em posição desairosa os outros comensais. No almoço, tal como no café da manhã, seguia a dieta prescrita pelos médicos, mas além disso procurava acrescentar a cada prato o tempero da mortificação. Como primeiro prato, comia verdura cozida e sem sal. Depois, um pouco de carne ou de peixe, geralmente grelhado, com um mínimo de acompanhamento. Como sobremesa, uma fruta. Não tocava no pão nem tomava vinho, e bebia um ou dois copos de água, por expressa indicação médica, pois por vontade própria tendia a mortificar severamente a sede. Também por mortificação, nunca começava a comer enquanto o pe. Javier Echevarría e eu não nos tivéssemos servido.

Depois do almoço, fazia a visita ao Santíssimo. A seguir, passava trinta ou quarenta minutos em conversa com os seus filhos: era um costume que o nosso Fundador sempre praticou diariamente, desde que os membros do Opus Dei começaram a viver em família nos nossos Centros, e que quis expressamente que se observasse em todos os Centros da Obra. No ambiente simples e acolhedor da sala de estar, como acontece em qualquer família cristã, a conversa girava em torno dos acontecimentos cotidianos, de episódios apostólicos ou também de temas divertidos, e o Padre aproveitava-os para formar em nós um critério doutrinal seguro, para imprimir tom sobrenatural às notícias do dia e para fazer descansar os seus filhos. Em muitas ocasiões, abria-nos confidencialmente a sua alma e transmitia-nos o seu espírito, melhorando a formação espiritual dos que o escutavam. Sempre me admirou ver como o Padre se excedia nestas reuniões, completamente esquecido de si próprio, mesmo quando se encontrava esgotado pelo cansaço, pelas noites de insônia ou por ter sofrido uma dura contrariedade.

A tarde

Depois desse tempo de reunião familiar, fazia a leitura espiritual, de preferência com tratados clássicos de ascética, e voltava novamente ao trabalho: nunca gostou da sesta, a tal ponto que determinou que os membros da Obra só descansassem depois do almoço por prescrição médica. Logo no começo da tarde, retomava o trabalho da manhã, e era muito frequente que chamasse um ou outro membro do Conselho Geral para estudarem juntos algum assunto concreto. Dedicava muito tempo, quer aos retalhos pela manhã, quer nas primeiras horas da tarde, a escrever Cartas que nos tinham por destinatários.

Durante o período de trabalho que precedia a meia hora de oração da tarde, preparava-se interiormente para esse encontro com o Senhor. Depois, antes de voltar às tarefas interrompidas, o lanche, que consistia num copo de água e numa fruta que, frequentemente, dividia com o pe. Javier ou comigo.

Rezava e meditava diariamente os três terços do Rosário: distribuía-os oportunamente ao longo do dia, de modo a recitar por último, depois da oração e do lanche, o terço correspondente ao dia da semana, juntamente com a ladainha lauretana.

Fim do dia

O jantar era ainda mais frugal que o almoço: um prato de minestra, de caldo ou de verduras, sem pão; nos últimos anos, o médico aconselhou-o a tomar também um pouco de queijo ou uma omelete, além de fruta.

Depois do jantar, assistia às vezes ao telejornal. Também nesses momentos recorria a alguns “expedientes” para manter-se na presença de Deus: por exemplo, quando aparecia na tela a vinheta do programa, com a imagem do globo terrestre girando sobre o seu eixo, aproveitava para rezar pela tarefa de evangelização em que a Igreja se empenha em todo o mundo e pelo trabalho apostólico do Opus Dei. Posso afirmar que, especialmente nos últimos anos, o Padre rezava com muita intensidade enquanto via as notícias da televisão: rezava pelos acontecimentos que se comentavam e pedia pela paz do mundo.

Depois do noticiário, voltava ao trabalho até às nove e meia. A essa hora, reunia-se com os seus filhos, numa tertúlia familiar como a do meio-dia. Ao terminar, antes de sair da sala, detinha-se um instante junto à porta, de maneira quase imperceptível, para “deixar passar os seus dois Anjos”: era um pequeno detalhe que passava despercebido e que mostra como cultivava o trato com o seu Anjo da Guarda e o seu Arcanjo ministerial. Não era um gesto teatral, pois era preciso estar muito atento e a par desse “segredo” para percebê-lo.

Imediatamente depois dessa reunião de família com os seus filhos, retirava-se em profundo silêncio para fazer o exame de consciência e rezar as últimas orações. Antes de deitar-se, recitava diariamente o salmo “Miserere” (Salmo 50), prostrado por terra; depois, de joelhos e com os braços em cruz, rezava três Ave-Marias, pedindo a virtude da pureza para todas as almas, especialmente para si mesmo e para os seus filhos no Opus Dei. Costumava meter no bolso do pijama um crucifixo, que beijava repetidamente antes de adormecer, enquanto dizia jaculatórias, comunhões espirituais etc. Ou acompanhava com a imaginação o Senhor presente nos Sacrários de algum país distante.

Álvaro del Portillo, Entrevista sobre o fundador do Opus Dei por César Cavalleri,, trad. port., São Paulo, Quadrante, 1994

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