Um dia desses, eu
refletia sobre a tendência geral que a maioria das pessoas tem de viver de
exageros. Excessos estes que perpassam, praticamente, todas as dimensões da
vida humana: o trabalho, a espiritualidade, o modo de vida, os princípios
éticos e filosóficos, os posicionamentos políticos, a convivência humana e por
aí vai. Quando não estamos em um extremo, nos encontramos no extremo oposto.
Ao mesmo tempo em que
vemos algumas pessoas se deixarem dominar pelo desleixo com o próprio corpo,
por exemplo, por verem no autocuidado um sinal de futilidade, outros são
escravizados pela vaidade, transformando o próprio corpo num objeto de adoração
e num fim em si mesmo. Enquanto alguns são vencidos pela preguiça, desperdiçando
o tempo que poderia ser gasto com coisas úteis e necessárias, outros se deixam
consumir completamente pelo trabalho, pelos estudos ou qualquer outra atividade,
como se não vivessem para outra coisa. Se de um lado, vemos uma tendência cada
vez mais descarada (e até mesmo agressiva) ao despudor e à vulgaridade, de
outro lado, podemos ver crescer, aos poucos, um puritanismo cego e esmagador
(muito diferente da pureza) que,
tanto quanto o primeiro excesso, aniquila e destrói a dignidade humana.
Podemos citar aqui
também os calorosos debates de teor político, filosófico ou intelectual, nos
quais grupos opostos se enfrentam e se afrontam com uma ferocidade que beira a
irracionalidade. Defende-se com unhas e dentes o intelectual ou político X,
elevando-o quase a um nível de semideus – até mesmo quando este comete graves
erros – enquanto o intelectual ou político Y é rechaçado e demonizado –
desprezando-se até mesmo seus acertos e aspectos positivos – e vice-versa. O
fanatismo e a ignorância bestificaram a inteligência humana e tolheram a capacidade
de autocrítica.
Há um interessante
conto dos irmãos Grimm, intitulado “A escolha da noiva”, que nos ajuda a
refletir sobre esta realidade. Conta-se que certa vez, um jovem rapaz desejava
casar-se, mas não conseguia se decidir entre três moças irmãs que conhecia, tão
belas e encantadoras elas lhe pareciam. Indeciso, o rapaz decidiu pedir
conselho à sua mãe, que lhe propôs que convidasse as três para uma visita. Ele
deveria lhes oferecer queijo e observar atentamente a maneira como comiam. A
primeira irmã engoliu o queijo com casca e tudo; a segunda retirou a casca, mas
com tanta pressa e falta de jeito que grande parte do queijo foi jogada fora
junto com a casca; a terceira, com paciência e delicadeza, retirou
cuidadosamente a casca do queijo, nem mais, nem menos do que o necessário e
assim, ficou com a melhor parte. Posteriormente, o rapaz relatou o caso à sua
mãe, que o aconselhou a casar-se com a terceira irmã. O homem fez como sua mãe
havia dito e foi muito feliz.
Esta história nos
ajuda a refletir como os excessos nos atrapalham e impedem o nosso crescimento
como pessoa. Os arquétipos da primeira e da segunda irmã estão profundamente
presentes no modo de viver de cada um de nós (inclusive, de quem lhes escreve).
De um lado, sorvemos
de maneira sedenta a ideias, costumes e modos de ser, acolhendo junto com o que
há de bom, também muitos erros. De outro, repudiamos veementemente a outras
ideias, costumes e modos de ser, jogando fora junto com os erros, também os
aspectos positivos. Ora engolimos a casca com o queijo, ora jogamos fora o
queijo com a casca. São raras as pessoas que, a exemplo da terceira irmã,
exercitam a capacidade de filtrar as coisas, acolhendo o que há de bom e
descartando o que não edifica.
Se desejamos, de fato,
nos colocar no caminho da perfeição cristã, não será momento de examinarmos o
modo como temos vivido e identificar se temos nos rendido a excessos que nos
colocam obstáculos ao crescimento espiritual? Não trata de ser relativista, de
viver na mediocridade ou na zona cinzenta do meio-termo. Trata-se de não
transformar meios em fins, de relembrar a finalidade para a qual fomos criados
e principalmente, de dispor o uso das coisas a favor de nosso amadurecimento.
Qual é o
exagero que me impede de ser melhor?
Por Jaíne Silva.
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