Amor com amor: Vida e obra de santa Teresa de Jesus por Edith Stein

Edith Stein ingressa no Carmelo de Colônia como postulante
em quatorze de outubro de 1933 aos 42 anos de idade. Em 15 de abril recebe o
hábito e escolhe o nome de Teresa Benedita da Cruz. Tal como relata em seu
escrito autobiográfico: Como cheguei ao Carmelo de Colônia (STEIN, 2002, p.
497), quando o “Terceiro reich” foi introduzido em janeiro de 1933 na Alemanha
tendo Adolf Hitler como Chanceler, Edith Stein era professora no Instituto
alemão de pedagogia em Münster (Westfalia). Em 1º de abril do mesmo ano ela
havia sido obrigada a abandonar o seu posto de docente por causa de sua origem
judaica, mesmo tendo recebido o batismo e se convertido à fé católica. Apesar
de uma grande tristeza pelo que estava acontecendo, Edith percebe a mão de Deus
e agarra essa oportunidade para concretizar um antigo desejo de tornar-se
carmelita, dedicando todo o seu tempo à oração e intercessão pelos dois povos a
que ela fazia parte: o povo judeu e o povo alemão.
Edith Stein sofreu muito por causa da não aceitação de sua
mãe e parentes, todos judeus, mas deu esse passo com muita fé e coragem, ciente
de que estava buscando a verdade com todas as suas forças, assim como fez a sua
querida Madre Teresa de Jesus.
Depois de minha última visita a meus familiares em Breslau e
uma custosa despedida de minha querida mãe, o sábado passado entrei no convento
das carmelitas, e desta maneira sou uma filha de santa Teresa, graças a qual eu
me converti. (STEIN, 2002, p. 1057).
O primeiro escrito de Edith no Carmelo foi um texto sobre a
vida e obra de Teresa de Jesus, possivelmente para a festa da purificação de
Maria de 1934. Nesse momento Edith Stein já havia recebido a autorização do
Provincial da Alemanha, Padre Teodoro Rauch, para que continue sua atividade
como escritora e filósofa no Carmelo. O título do seu primeiro escrito é: Amor
com amor, e seu subtítulo: Vida e obra de santa Teresa de Jesus. Ele foi
publicado entre setembro de 1934 em Friburgo (Suíça), em uma coleção: Pequenas
Biografias e depois em Ausburg (Baviera), numa versão reduzida. O texto
utilizado para esse trabalho é o da versão original, editado em 1987 pela Edith
Steins Werke (V. XI, p. 40-88) e sua tradução espanhola pelas Obras completas
(v. V, p.491-541).
Edith Stein utiliza para seu relato os próprios escritos de
santa Teresa, recorrendo raramente a alguns poucos comentadores. Para as
citações feitas por Edith Stein de trechos das obras de Teresa será utilizada a
edição brasileira das Obras Completas, texto estabelecido por Frei Tomas
Alvarez, OCD. São Paulo, Edições Carmelitanas, OCD; Edições Loyola, 1995. Serão
usadas, quando citadas, as seguintes abreviações: Livro da vida (V); Caminho de
perfeição (C); Castelo interior ou Moradas (M); Fundações (F); Relações (R).
Dois aspectos serão utilizados como fio condutor dessa
apresentação da vida de santa Teresa por Edith Stein: (1) a escolha dos fatos
retirados das principais obras de Teresa não só apresentam de modo muito
fidedigno os traços mais característicos dessa grande santa mulher, como também
revelam traços semelhantes da personalidade da própria Edith, que se
autodenomina “sua filha”; (2) as graças e experiências sobrenaturais
vivenciadas por Teresa, assim como a vida espiritual de Edith Stein após o seu
encontro pessoal com Jesus Cristo, não inibem ou apagam os traços
característicos de suas personalidades, mas eles são intensificados, inclusive
aqueles que poderiam parecer danosos para uma vida reclusa de oração, e
direcionados para um fim ainda maior: o pleno desenvolvimento de própria
personalidade no amor a Deus e ao próximo.
Relato de Teresa por Edith Stein: semelhanças de vida e de
personalidade
Edith Stein inicia o seu relato da vida de santa Teresa
evocando um paralelo entre as dificuldades vividas no tempo de Teresa de Ávila
– a Espanha do início do século XVI, dividida por guerras políticas e
religiosas – e as dificuldades do seu próprio tempo – a Alemanha do início do
século XX, envolvendo-se em guerras e divulgando o ódio contra outros povos
como um meio de combater o sofrimento e a pobreza. Assim como ocorre na época de
Teresa, a vida de oração e reclusão no Carmelo é apresentada por Edith como o
modo de se lutar contra essa situação:
Em nossa época, na qual se tornou manifesta a impotência de todos os meios
naturais para combater a miséria em todas as terras, despertou novamente uma
compreensão nova para o poder da oração, da expiação e da reparação vicária.
Daí a afluência aos crentes a lugares de oração e o clamoroso desejo pelos
conventos de vida contemplativa, cuja vida é consagrada à oração e à expiação
(STEIN, 2004, p. 495).
No desejo de descrever a vida e as obras de santa Teresa,
Edith busca “transplantar em nosso tempo algo do espírito que invadia essa
grande mulher que, em um século de lutas e turbulências, construiu um
maravilhoso edifício” (STEIN, 2004, p. 495), para despertar no leitor de sua
pequena descrição o desejo de conhecer mais a fundo os próprios escritos da
santa e, bebendo dessas fontes, encontrar nelas “ânimo e força” (STEIN, 2004,
p. 496). A preocupação pedagógica de Edith permanece após a sua entrada no
Carmelo e ela se propõe a escrever não apenas para as monjas reclusas, para
toda pessoa que estivesse buscando um novo ânimo naquela situação caótica
pré-guerra em que se encontrava a Alemanha e a Europa como um todo.
No Brasil de hoje também vivenciamos uma situação em que o
desânimo parece se instaurar em nossa sociedade, pois os nossos “meios
naturais” – a economia, a política, a educação, os governos etc. – não parecem
estar conseguindo prover o mínimo que a natureza e o espírito humano
necessitam. Talvez seja um momento de se voltar a esses grandes exemplos e
aprender com essas “duas Teresas”: Teresa de Jesus e Teresa Benedita da Cruz.
Para ambas os tempos de crise são também aqueles em que Deus quer se comunicar de
modo ainda mais forte com seus filhinhos e capacitá-los a contemplar e
valorizar aquilo que é essencial para a própria realização e felicidade, como
indivíduo, como pessoa e como povo.
O leitor é convidado a também traçar um paralelo entre a sua
própria vida e a dessas duas grandes personagens que souberam viver
intensamente o seu tempo, indo para além deles, não se deixando abater pelas
dificuldades, aproveitando livremente de toda e qualquer situação, por mais
desfavorável que parecesse, para amadurecer a vocação de amor a Deus e ao
próximo.
Contínua no próximo
post.