Maria Suzana F. A. Macedo[i]
Diz a letra da música de Roberto Carlos: “todas as Nossas
Senhoras são a mesma Mãe de Deus”. Sabemos que é verdade, pois, mesmo tendo
recebido muitos títulos, Maria é uma só e hoje vamos refletir um pouco sobre a
Mãe de Deus em seu título de Santa Maria do monte Carmelo ou como é mais
conhecida, Nossa Senhora do Carmo.
16 de julho é o dia dedicado à Nossa Senhora do Carmo. Mas,
por que esse título e essa data? De acordo com o carmelita Valentino Macca[ii] o
título faz referência ao monte da Galileia que está ligado à origem da
Ordem do Carmo ou Carmelita. A referência é, pois, uma indicação
geográfica. Além disso, a tradição aponta uma ligação espiritual entre a cadeia
montanhosa do Carmelo com o profeta Elias e isto está assinalado no nome com
que os árabes a designam: Gebel Mar Elyas. Foi neste lugar, próximo onde havia
uma igrejinha dedicada a Nossa Senhora, que alguns peregrinos ocidentais
iniciam, na segunda metade do século XII, uma experiência eremítica, muitos
eram, provavelmente, cruzados e andarilhos. Logo passam a ser chamados de
“irmãos do Carmelo” e recebem do patriarca de Jerusalém, Alberto Avogadro, a vitæ
formula (a Regra de vida).
Quando os muçulmanos dominam a região, por volta do século
XIII, esse grupo de “irmãos” eremitas volta para o Ocidente e passa à
denominação de Ordem de Santa Maria do Monte Carmelo. Este título, assinala
Macca, aparece pela primeira vez em um documento pontifício de Inocêncio IV,
datado de 13 de janeiro de 1252. A Ordem é mariana e os irmãos se colocavam,
totalmente, a serviço de Nossa Senhora, a Padroeira da Ordem, aquela que
assumia o primeiro lugar no Carmelo, dentre os irmãos e a quem deveriam imitar.
[...] a Virgem venerada, contemplada pelos seus “irmãos” e por todos os que depois participarão da vida deles (religiosas, “confrades”, terciários), ocupa o centro da experiência espiritual do grupo estabelecido e constituído na Terra Santa com o fim da perfeição evangélica em solidão contemplativa centralizada, como a vida de Maria de Nazaré, na oração contínua e na escuta da palavra, em clima de simplicidade, pobreza e trabalho . (MACCA, Valentino)[iii]
Muitas lendas surgiram sobre a Virgem do Carmo, mas os
“irmãos” acentuam a figura da Mãe de Jesus, Maria de Nazaré, como é vista nos
Evangelhos e aí se apresentam os aspectos da maternidade divina, da virgindade,
da imaculada conceição e da anunciação. Eles a tem como inspiradora, guia, senhora
da sua vida, na guarda da palavra e na orientação para o serviço de Cristo[iv] .
Também o profeta Elias é considerado o inspirador da formação da ordem do
Carmo.
Com o objetivo de lembrar e agradecer os benefícios que o
Carmelo recebia de Maria e exaltar a Padroeira, os carmelitas celebravam,
semanalmente, “a comemoração litúrgica de Maria” o que, mais tarde, por volta
da segunda metade do século XIV, passa a ser comemorado na Inglaterra como
memória solene da Bem-aventurada Virgem Maria.
A princípio, a festa acontecia em 17 de julho, que de acordo
com Macca poderia estar relacionada com o fim do II Concílio de Lyon (1274).
Isto porque Bonifácio VII, em 1298 (24 anos depois) entendeu que tal concílio
havia aprovado a Ordem. O que foi um engano de interpretação. Depois a data
festiva foi antecipada para dia 16 de julho, em fins do século XV, data da
“visão” de São Simão Stock. Mais tarde, Bento XIII estendeu a festa a toda a
Igreja, conservada como “memória facultativa”, conforme calendário litúrgico
renovado, requerido pelo Vaticano II[v].
São Simão Stock e o dom do Escapulário
A visão de São Simão Stock, acontecida em 16 de julho de
1251, está relatada no Catálogo dos santos carmelitas. Os manuscritos mais
antigos são posteriores a 1411.
Na forma considerada como a mais antiga, o Catálogo diz simplesmente que certo “Simão, de nacionalidade inglesa, nas suas orações pedia sempre a Virgem um privilégio para a sua ordem. E a Virgem gloriosa apareceu a ele, trazendo nas mãos o escapulário e dizendo-lhe: ‘Este será o privilégio para ti e para os teus. Quem morrer vestido com ele se salvará’”[vi].
Mais tarde uma redação mais longa atribuirá o sobrenome
“Stock” a Simão. Não se tem certeza de que seja a mesma pessoa, contudo, a
“festa do hábito” já estará difundida, no século XVI. O escapulário é sinal de
devoção à Virgem e de sua proteção na hora da morte. Muitos fiéis se uniam à
ordem como confrades, também na Itália e Espanha.
Outro fato que acabou atraindo mais pessoas para a ordem foi
a “Bula Sabatina” de João XXII, no ano de 1322. Ele teria tido
uma visão da Virgem que prometera a libertação do purgatório no primeiro sábado
depois da morte, aos carmelitas e confrades da ordem que tivessem feito a
observância da castidade, orações e o uso do hábito do Carmelo[vii].
Além disso, a difusão das duas visões e as respectivas promessas da Virgem
aumentaram a devoção a Nossa Senhora do Carmo.
Quem usa o escapulário, “deve sentir-se comprometido com uma
especial dedicação à Virgem, com seu culto, com a sua imitação” que estão
presentes na vocação carmelita, e associa-se, de certa maneira aos irmãos do
Carmelo. Assim, Pio XII, em 1950, afirma que aquele que usa o escapulário deve
fazer com que ele se torne “memorial de Nossa Senhora, espelho de humildade e
de castidade, breviário de modéstia e de simplicidade, eloquente expressão
simbólica da oração de invocação do auxílio divino”.
É preciso assinalar que a comemoração da memória de Santa
Maria do monte Carmelo deve levar cada devoto a trilhar, com ela, o caminho do
monte sagrado que é o próprio Cristo. Lembrando que Maria de Nazaré, mulher
pobre e humilde, de uma cidadezinha pouco conhecida, percorreu o caminho de
Jesus, tornando-se sua primeira e mais perfeita discípula. É esta Santa Maria
que os Carmelitas nos ensinam a imitar.
A Mãe do Filho de Deus é Mãe de todos os homens e mulheres,
na ordem da graça e, com seu auxílio cada cristão pode, como ela mesma fez,
receber, acolher e guardar a palavra e consentir que Jesus possa nascer em cada
coração, em cada irmão e na comunidade eclesial.
Nossa Senhora do Carmo: Rogai por nós, seus filhos e
filhas, amém!
[i] Professora no Instituto
Teológico Franciscano, Petrópolis, RJ. Doutora, Mestre e Especialista em
Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora, MG (UFJF).
Graduada em Teologia pelo Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis, RJ
(ITF). Cursa a Especialização em Mariologia na AMA/Faculdade Dehoniana, SP.
Integra grupo de pesquisa sobre a Teologia da Hospitalidade do Istituto di
Studi Ecumenici (ISE), Veneza, Itália. Associada à SOTER. Associada à
Academia Marial de Aparecida. E-mail: suzanamacedo@gmail.com
[ii] MACCA, Valentino. In: DE
FIORES, Stefano; MEO, Salvatore (Dir.). Dicionário de Mariologia. São Paulo: Paulus,
1995. Verbete: Carmelo, p. 262-265.
[iii] MACCA, Valentino. Op.
cit., p. 262.
[iv] Idem, p. 263.
[v] Idem, p. 264.
[vi] MACCA, Valentino. Op.
cit., p. 264.
[vii] O hábito constava de um
manto e pouco a pouco passou a ser entendido apenas como “escapulário”. Hoje, o
escapulário é como um “pequeno hábito” que se veste: um cordão com uma pequena
estampa quadrada de cada lado, uma com a imagem de Nossa Senhora do Carmo,
outra com a de Jesus Cristo.
0 comments