O que deve fazer o Terceiro Carmelita, para alcançar a Perfeição e a Salvação Eterna
Qui regulae vivit, Deo vivit, viver ajustado à Regra, é viver para Deus.
“Quando a Igreja Católica, qual Mãe solícita, dentro do seu
Código de Direito Canônico, estabelece que a aprovação de uma Regra, que deve
determinar a vida de uma Ordem Terceira, é reservada exclusivamente ao
Magistério Supremo e Infalível da Santa Sé, Ela nos garante que esta
mesma Regra, bem observada, torna-se caminho de salvação eterna. Que
mais poderíamos desejar? Que mais preocupa um coração sincero, uma consciência
cristã bem formada, senão a resposta adequada à pergunta pungente: ‘Para que
estamos no mundo? Como alcançaremos a vida eterna?’ E aí está o Santo Padre Pio
XII, cônscio da sua Suprema Autoridade em matéria de fé e de costume, a dirigir
a resposta inequívoca aos Terceiros Carmelitas: ‘Observai esta Regra,
por Nós aprovada. Servi e amai a Deus deste modo; é alcançar a perfeição cristã
neste mundo, e a salvação eterna, no outro’.” (Rev. Pe. Emídio Ter Beke, O.
Cam., “Comentário da Regra da Ordem Terceira do Carmo”, Introdução, pp.
7-8; 2ª Edição, Edições Carmelitanas, São Paulo, 1961).
A Confirmação Desta Verdade
Santa Teresa de Ávila: “Se algo pudermos fazer
junto a Deus… lutemos por Ele, e eu considerarei muito bem empregados os
sofrimentos que tive para fazer este recanto (o mosteiro de S. José), onde
desejava que se respeitasse a Regra de Nossa Senhora e Imperatriz com a
perfeição primitiva” (C 3, 5).
“Se dizemos que esses são os princípios da renovação da
Regra da Virgem Sua Mãe, Senhora e Padroeira Nossa, não a ofendamos, nem
as Santos Padres nossos antepassados, deixando de nos conformar a
elas...” (F 14, 5).
“Se procurarmos respeitar perfeitamente e com muito
cuidado a nossa Regra e Constituições, espero que o Senhor atenda às nossas
súplicas. Não vos peço, filhas minhas, nada de novo, mas
apenas que guardemos o que professamos, pois é essa a nossa vocação e
a nossa obrigação muito embora haja muita diferença entre guardar e guardar” (C
4, 1).
“A nossa primeira Regra diz que oremos sem cessar. Por
isso, façamo-lo com todo o cuidado possível, que é o mais
importante...” (C 4, 2; “guardando-a se reza sem cessar”).
“O que o Demônio pretende aqui não é pouco: esfriar a
caridade e o amor mútuo entre as irmãs, o que seria grande prejuízo.
Entendamos, filhas minhas, que a verdadeira perfeição é o amor a Deus e ao
próximo. Quanto mais fielmente guardarmos esses dois Mandamentos, tanto mais
perfeitas seremos. A nossa Regra e as nossas Constituições, em seu
conjunto, não servem senão de meios para seguir isso com mais perfeição” (M
1, 2, 17).
São Francisco de Assis: “Em nome do Senhor, rogo
a todos os irmãos, que aprendam bem o teor e sentido do que está
escrito nesta Regra de vida a bem da salvação de nossa alma e frequentemente o
recordem” (1Reg. 23, 35).
A Observância da Regra permite a Reforma da Igreja e a
Salvação dos Fiéis: “… Começaram a vir a São Francisco muitas pessoas do povo,
nobres e plebeus, clérigos e leigos, querendo por inspiração de Deus militar
para sempre sob sua disciplina e magistério. O santo de Deus, como um rio
caudaloso de graça celeste, alimentado pelas chuvas dos carismas, enriquecia o
campo de seus corações com as flores das virtudes. Pois era um artista
consumado que apresentava o exemplo, a Regra e os ensinamentos de
acordo com os quais a Igreja de Cristo rejuvenescia, enquanto nos
homens e nas mulheres triunfava o tríplice exército dos predestinados. A
todos propunha uma norma de vida e demonstrava com garantias o caminho da
salvação em todos os graus” (1C 37; LP 115).
Adolfo Tanquerey: “Quando alguém entra no estado
religioso, obriga-se, por isso mesmo, a observar as Regras e Constituições,
que são explicadas no decurso do Noviciado, antes da Profissão. Ora,
seja qual for a Congregação a que o homem se dê, não há uma só que não se
proponha como fim a santificação dos seus membros, e não determine, por vezes,
com todas as minúcias, as virtudes que se devem praticar e
os meios que facilitam o seu exercício. Se é, pois, sincero
o religioso, obriga-se a observar, ao menos no seu conjunto, esses vários
regulamentos e, por isso mesmo, a elevar-se a certo grau de perfeição; porquanto,
ainda mesmo que não cumpra senão o grosso das regras, tem ainda muitas ocasiões
de se mortificar em coisas que não são de preceito; e o esforço, que é obrigado
a fazer para isso, é um esforço para a perfeição…
O verdadeiro religioso… cumpre a regra tão integralmente
como pode, sabendo que é esse o melhor meio de agradar a Deus: ‘Qui
regulae vivit, Deo vivit, viver ajustado à Regra, é viver para Deus’.
Assim mesmo, não se contenta de cumprir estritamente os votos, pratica o seu
espírito, esforçando-se por avançar cada dia para a perfeição, segundo a
palavra de S. João: ‘O que é santo santifique-se ainda mais’; e
então se verifica para ele o que diz S. Paulo: ‘Todo aquele que
seguir esta regra gozará de paz e poderá contar com a misericórdia divina, pax
super illos et misericordia’ (Gál., VI, 16)” (Compêndio de Teologia
Ascética e Mística, 1ª Parte, Cap. IV, Art. II, Pontos 373-376,
pp. 212-214; 5ª Edição, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1955).
Da Obediência às Regras1
Pequena Explanação
São Francisco de Sales estabeleceu a seguinte e importante
máxima: “A predestinação dos religiosos está ligada à observância
de suas regras”. Santa Maria Madalena de Pazzi costumava dizer que, a
obediência às regras é o caminho mais direito para a salvação e a santidade.
Realmente, a observância das regras é o único meio de santificação dos
religiosos; nenhum outro caminho os conduz a seu termo. Um Religioso, pois, que
transgredir habitualmente qualquer prescrição da Regra, por menor que seja, não
adiantará nem um passo no amor de Deus, ainda que pratique as maiores
penitências e se dedique constantemente à oração e a outros exercícios de
piedade. Todo o esforço de tais religiosos é vão e cumprem-se neles as palavras
do Espírito Santo: “Infeliz é aquele que rejeita a disciplina; vã é a
esperança dele, sem fruto os seus trabalhos e inúteis as suas obras”.2
As regras não deixam de ser uma carga, mas uma carga como a
das asas, pois, por meio delas podemos voar até Deus. “O jugo de Jesus
Cristo tem asas que nos elevam acima da terra, diz Santo Agostinho.3 As
regras são prisões, mas prisões de amor, que nos ligam ao Sumo Bem. Não são
elas prisões vergonhosas, mas nobres e desejáveis, que nos preservam das
cadeias do Inferno.
Se achas, pois, difícil privar-te daquilo que a Regra te
veda e que teu amor-próprio deseja, dize alegremente, com o Apóstolo: “Estou
prisioneiro, mas alegro-me de minhas prisões, porque ligam-me estreitamente a
Deus e asseguram-me a coroa eterna”. A isso se refere também São
Agostinho, quando diz: O Senhor não te daria o colar áureo da
eterna glória, se não te prendesse antes com as cadeias da santa Regra”.4
Se não puderes praticar grandes coisas por Deus, fazer
rigorosas penitências, empregar muitas horas na oração, observa ao menos
pontualmente as Regras e podes estar certo que isso só basta para fazeres, em
pouco tempo, grandes progressos no caminho da perfeição. São Boaventura
diz: O melhor modo de tender à perfeição é observar tudo o que é
prescrito”. À medida da fidelidade do religioso neste ponto, se
mostrará Deus liberal para com ele. Santa Teresa diz que os religiosos que
observam a Regra até nas menores coisas, voam e não andam para o cume da
perfeição.
Com razão chama Santo Agostinho a Regra o espelho dos
religiosos, porque, do zelo com que observam a Regra, podem deduzir qual o seu
estado de alma. Um religioso, ao examinar como ele observa a Regra, pode
conhecer se ama a perfeição ou não, se faz progresso ou regresso, se agrada ou
desagrada a seu divino Esposo. Por isso, convence-te profundamente que
para te fazeres santo não precisas praticar muitas coisas, mas unicamente
observar fielmente a tua Regra. Quando a Regra prescreve, por exemplo, o
trabalho ou o recreio o religioso procederia mal se fosse então ao coro a rezar
ou quisesse então praticar penitências. Dedicar-se a tais exercícios
intempestivos de piedade é, segundo o Pe. Álvarez, oferecer a Deus coisas
furtadas, isto é, um sacrifício que Deus não aceita. “É melhor ser um
dedo e estar ligado com o corpo (da Comunidade), diz um
sábio escritor, do que ser um olho, mas estar separado do corpo”. O
olho separado do corpo nada mais é, senão uma presa da corrupção. Assim
pode bem ser que uma boa obra em si, mas contrária às prescrições da Regra,
desagrade muito a Deus e que, longe de ser para o religioso um meio para a
perfeição, seja até um impedimento, porque todos os exercícios de piedade e
boas obras contrárias à Regra são passos fora do caminho e impedimentos na vida
espiritual, diz Santo Agostinho.
Aos olhos do mundo, muitas Regras parecerão
insignificâncias; consideradas, porém, à luz da fé, tornam-se muito outra
coisa. Nós devemos considerar todas as Regras como muito importantes, parte
porque todas elas foram dadas por Deus e aprovadas pela Igreja, como meios para
a perfeição cristã; parte porque a transgressão delas, mesmo das mais pequenas,
faz perigar a disciplina da Ordem e traz consigo a confusão à Comunidade toda.
Como narra a Pe. St. Jure, o Pe. Oviedo, sendo Reitor do colégio dos Jesuítas,
em Nápoles, insistia muito para que todas as Regras, mesmo as menores,
fossem observadas pontualmente. O Pe. Bobadilla, porém, era de opinião de que
não convinha incomodar os religiosos com tantas insignificâncias, e tanto fez
que desistiram do antigo rigor. As consequências mostraram que ele não tinha
razão, porque, pouco a pouco, desapareceu o zelo e muitos não se importavam
mais com as Regras pequenas nem com as grandes e abandonaram, finalmente, a
Ordem. Sendo disso inteirado, S. Inácio ordenou que todas as Regras deviam ser
rigorosamente observadas e, assim, se restabeleceu novamente a disciplina.
Os que transgridem as Regras, sem necessidade, não encontram
senão aridez e desgosto na oração, na santa Comunhão e em todos os
exercícios de piedade. Por causa de um só olhar curioso que Santa Gertrudes
lançou sobre uma irmã, contrário a uma inspiração interna, foi ela castigada
por onze dias com aridez espiritual. É justo que se colha pouco, quando se
semeia pouco. Como poderia ser o Senhor liberal para com um religioso,
concedendo-lhe graças e consolações celestes, se ele O serve tão mesquinha e
negligentemente? Talvez lhe concederia uma graça preciosíssima, se observasse
este ou aquele ponto da Regra; mas, por causa de sua negligência, fica mui
merecidamente privado dela. “Por uma pequena negligência, diz
o Beato Egídio, pode-se perder uma grande graça”.
Mas dirá alguém: Ora, as Regras não obrigam sob pecado. A
isso deve-se responder: Se bem que as Regras em si não obriguem debaixo de
pecado, contudo, ensinam os teólogos, que a violação de uma Regra, por menor
que seja, é ao menos um pecado venial, sempre que falte um motivo suficiente
para a sua transgressão, por que é necessariamente por paixão ou por preguiça
que se transgride voluntariamente e sem motivo uma Regra qualquer, e, por
isso, essa transgressão nunca pode ficar isenta de um pecado ao menos venial.
São Francisco de Sales diz,5 por
isso, em seus entretenimentos espirituais, que, apesar de as Regras da Ordem da
Visitação não obrigarem debaixo de pecado, ele não saberia como isentar de um
pecado venial a violação delas, pois, quando um religioso transgride a Regra,
diz ele, desonra a Deus, renuncia a seu estado, traz a confusão à Comunidade e
frustra o bom exemplo que devia dar aos outros. Segundo esse Santo, pois,
comete-se ainda o pecado de escândalo, quando se transgride a Regra na presença
dos outros.
Eu disse que essa violação da Regra é, pelo menos, um pecado
venial; pois, quando ela traz consigo um grande dano ou causa um grande
escândalo à Comunidade, por exemplo: se se violasse habitualmente o silêncio
prescrito, se se entrasse nos quartos dos outros, etc., não deixaria de ser
pecado grave.
Santo Tomás ensina, que depois da emissão dos votos, a
violação das Regras e Constituições, mesmo aquelas que não se referem aos
votos, não poderá estar isenta de um pecado venial. Será, porém, um pecado
mortal se a transgressão for feita por desprezo formal da Regra. Ora, é
impossível que alguém transgrida voluntariamente e constantemente uma Regra,
sem desprezá-la, porque é justamente o desprezo a causa das transgressões
voluntárias, nota São Bernardo. Pode-se objetar, que esse desprezo não é
patente e formal; porém, mesmo assim, não se pode negar, como nota o mesmo
Santo, que há um desprezo oculto e tácito, que, sem dúvida alguma, basta para
que se cometa um pecado venial. Por isso, não é necessário, de forma alguma,
segundo Suaárez, examinar mais de perto se a Regra obriga debaixo de um pecado
ou não, desde que é quase impossível transgredi-la voluntariamente sem pecar.
Que as violações voluntárias da Regra em si incluem pelo
menos um pecado venial, está fora de dúvida: primeiro, porque o
religioso que infringe a Regra, despreza a tendência à perfeição, à qual ele
está obrigado; segundo, porque ele não cumpre a promessa feita na emissão de
seus votos de observar a Regra; terceiro, porque perturba a boa ordem da
Comunidade por seu mau exemplo; quarto, finalmente, e este é o motivo mais
poderoso, porque, transgredindo a Regra, faz a sua própria vontade e se afasta
da vontade de Deus.
A violação da Regra certamente não é uma ação virtuosa; e
também não é uma ação indiferente, pois como poderia sê-lo, se ela procede do
amor-próprio, é um mau exemplo para os outros e perturba a ordem do claustro?
Ora, quando uma ação não é nem boa nem indiferente, é má. Isso vale não só para
os jovens religiosos, mas também para os mais idosos. Estes até estão mais
obrigados à observância perfeita do que aqueles, e por duas razões.
Primeiramente, porque passaram mais tempo na Ordem; quem mais estudou, deve ser
mais sábio; assim também o religioso que esteve mais tempo no convento, na
escola do Crucificado, deve estar mais adiantado na ciência dos Santos, isto é,
na perfeição cristã. Em segundo lugar, porque o exemplo dos mais velhos arrasta
os mais novos a observar ou a violar a Regra. Os religiosos mais velhos são os
fachos que iluminam a Comunidade; são as colunas que sustentam a observância;
se eles observam a Regra, observam-na também os mais moços; se estes,
porém, veem que os mais velhos pouco se importam com a Regra, também eles pouco
se incomodarão com ela. Que aproveita os velhos exortarem com palavras os moços
à observância da Regra, se os demovem disso com o seu exemplo? “Mais
podem os exemplos que vemos com os nossos olhos, diz Santo
Ambrósio, que as exortações que ouvimos com os nossos ouvidos”.
Para observar rigorosamente a Regra, deves lê-la muitas
vezes e examinar em que faltaste e em que deves te emendar; é essa uma das
melhores leituras espirituais que podes fazer. Também é bom fazer cotidianamente
um especial exame de consciência sobre aqueles pontos contra os quais mais
vezes faltas. Não deixes de te acusar diante do Superior todas as vezes que
cometeres uma falta e de lhe pedir por isso uma penitência.
Se quiseres observar perfeitamente a Regra, deves ter como
motivo de tuas ações o amor e não o temor, diz Santo Inácio de Loiola, isto é,
deves observar a Regra, não para te livrares das repreensões de teus Superiores
ou seres louvado pelos outros, mas unicamente para agradares a Jesus Cristo.
Pondera que só viveste aquele dia em que renunciaste à tua vontade próprio e
não transgrediste nenhum ponto da Regra, diz Santo Euquério de Lião, isto é,
considera só um tal dia como verdadeiramente proveitoso.
Santa Maria Madalena de Pazzi nos dá os seguintes conselhos
quanto à observância das Regras: 1. Estima tua Regra tanto
quanto estimas o próprio Deus. 2. Representa-te que a
observância da Regra inteira foi confiada a ti, unicamente a ti. 3. Quando
os outros faltarem contra as prescrições da mesma, procura reparar essas faltas
com tua fidelidade.
Brevíssimo Exemplo6
(Santa Margarida Maria Alacoque)
Se a obediência não lhe tivesse moderado o fervor, o extremo
desejo que tinha de sofrer pelo amor de Jesus Cristo tê-la-ia levado a praticar
excessos. Tendo considerado um dia que a última queixa que o Filho de Deus fez
na Cruz foi da sede que sofria: sempre engenhosa em achar novos meios para
imitar seu divino Mestre, tomando parte em seus tormentos, ela resolveu
padecê-los cada semana, desde a quinta-feira à noite até ao sábado seguinte,
sem beber. Por mais difícil que fosse esta abstinência praticou-a muito tempo,
até que a Superiora, tendo sido disto informada, lhe proibisse continuá-la; e
para pôr melhor à prova sua virtude, ordenou-lhe beber nestes dias duas ou três
vezes fora do tempo das refeições. Ela obedeceu; mas, achou em breve novo modo
de mortificar-se ao obedecer. Imaginou que beber então da água mais suja que
pudesse achar, não seria agir contrariamente à obediência, e isto seria para
ela o maior de todos os tormentos. Só este pensamento a fez estremecer; nada
mais porém foi preciso para censurar a sua demasiada delicadeza, e para se resolver
a punir por ali sua liberdade. Assim fez vários meses, com penas incríveis. A
Superiora tendo sido informada da indústria de que ela se servia para fazer-se
sofrer, dissimulou a admiração que lhe causavam um fervor e uma generosidade
tão pouco comum; chama-a, e repreende-a com tanta aspereza, e de maneira tão
dura, que esta santa moça considerou esta ação, digna na verdade da admiração
de todos aqueles que sabem julgar retamente da verdadeira piedade,
considerou-a, digo, pelo resto de seus dias, como uma das maiores faltas de sua
vida.
Um dos mais seguros sinais com que se conhece infalivelmente
se uma alma é dirigida pelo Espírito de Jesus Cristo, é a estima e o amor que
tem da obediência, desconfiando continuamente de suas próprias luzes, e
sujeitando-se em todas as coisas aos sentimentos de seus Superiores; é também
por este sinal que sempre se pôde reconhecer o Espírito de Jesus Cristo na
conduta desta virtuosa moça.
Diz ela nuns papéis que foram achados depois de sua morte,
escritos de seus próprios punhos: Conquanto meu divino Salvador, se
tenha tornado meu Mestre e meu Diretor, Ele não quer entretanto que nada faça
de tudo quanto me ordena, sem o consentimento de minha Superiora, à qual quer
que eu obedeça, por assim dizer, mais exatamente que a Ele próprio; o que Ele
me ensina particularmente é desconfiar de mim mesma como do mais cruel e do mais
poderoso inimigo que eu possa ter; mas que se puser toda a minha confiança
nele, e tiver uma perfeita obediência, dependendo em todas as coisas da vontade
dos meus Superiores, dele me defenderá. Além disto, proíbe-me que jamais me
perturbe, seja do que for que possa acontecer, considerando todos os
acontecimentos da vida sejam eles quais forem dentro da ordem da santa
Providência e de sua vontade, a qual pode quando lhe apraz voltar todas as
coisas para a sua glória. Uma vez achando-me num emprego que me tolhia
frequentemente o lazer de rezar a Oração com a Comunidade, isto excitou em meu
espírito, um dia de Páscoa, um pequeno impulso de mágoa, do qual fui logo
repreendida pelo meu Soberano Mestre, dizendo-me: – Saiba que a oração
de submissão e de sacrifício me agrada mais que a contemplação, e que qualquer
outra especulação por mais santa que pareça. – Isto imprimiu em mim
tão grande paz, que desde esse tempo não senti mais pena em tudo aquilo
que minhas Superioras queriam de mim.
E num outro trecho: “desde aquele tempo, diz
ela, meu divino Mestre não cessou de me repreender Ele mesmo de minhas
faltas e de me fazer conhecer a fealdade delas; mas o que lhe desagrada
extraordinariamente, e do que sempre me repreende de modo mais severo, é a
falta de respeito, e de atenção diante do Santíssimo Sacramento, sobretudo
durante o tempo do Ofício e da Oração. Ai de mim! De quantas grandes graças me
tenho privado então por uma distração, por um olhar dado por curiosidade, por
uma postura, algumas vezes um pouco mais cômoda, e menos respeitosa; a dor que
sentia logo que percebia tê-lo desgostado em alguma coisa, obrigava-me a ir
prontamente pedir alguma penitência, pois este divino Salvador me fez conhecer
diversas vezes que a menor penitência feita por obediência, lhe era mais agradável
de que todas as maiores austeridades de minha escolha; posso por isso
assegurar, e meu divino Salvador mo redisse cem vezes, que nada há que
prejudique mais a uma pessoa Religiosa de que a falta de obediência por pequena
que pareça, seja às Superioras, seja às Regras, e a menor réplica neste ponto
com algum sinal de repugnância, é um defeito insuportável aos olhos de Deus.
– Enganas-te, minha filha, dizia-me este divino
Salvador, enganas-te pensando poder agradar-Me com estes gêneros de ações, ou
de mortificações, cuja escolha foi feita pela vontade própria: sabe pois, que
rejeito tudo isso como frutos corrompidos pela vontade própria, que tenho em
horror, sobretudo numa alma Religiosa; e agradar-Me-ia mais que tomasse todas
as suas pequenas comodidades por obediência, de que se agravar de austeridades
e de jejuns por sua própria vontade.
Experimentei que quando me ocorre fazer destes gêneros de
mortificações sem a ordem expressa de minha Superiora, este divino Salvador não
me permite sequer lhas oferecer, e delas me castiga na mesma hora. Um dia
querendo continuar uma penitência que a obediência me impusera, ouvi a voz
deste amável Salvador que me disse: O que fizeste até aqui foi
para Mim, mas o que vais fazer agora é para o Demônio; o que me fez
cessar imediatamente e desde então resolvi antes morrer que me afastar o mínimo
que seja das ordens da obediência, à qual estou resolvida a tudo sacrificar:
inspirações, desejos, visões, graças extraordinárias, etc.
Deus mostrou por milagrosos efeitos quanto lhe era agradável
esta perfeita obediência.
“Fazei, Senhor, que nos deixemos guiar pela nossa
Regra e pelos nossos Estatutos, a fim de vivermos uma vida
autenticamente Carmelita e proclamarmos o vosso amor diante dos homens…
Concedei-nos fidelidade à vossa Lei, para que, guardando-a no
coração, perseveremos até o fim”.
(Manual do Terceiro Carmelita, Laudes de Terça-feira –
Preces, p. 147. Sodalício de Campos dos Goytacazes/RJ)
________________________
1Rev. Pe. Saint-Omer, C.SS.R., “Escola
da Perfeição para Seculares e Religiosos”, obra compilada dos escritos
de Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja, vertida para o português
segundo a edição alemã do Pe. Paulo Leick pelo Pe. José Lopes, C.SS.R., ?III
Parte, Cap. V, Art. III, pp. 346-350. IV Edição, Editora Vozes Ltda.,
Petrópolis/RJ, 1955.
2Sab. 3, 11.
3In ps. 59.
4In ps. 149.
5Entret. 1.
6Rev. Pe. Padre João Croiset,
S.J., “Compêndio da Vida da Irmã Margarida Maria Alacoque, religiosa da
Visitação de Santa Maria”, pp. 20-25. Tradução do Francês, Livraria
Agir Editora, Rio de Janeiro, 1950.
0 comments